sábado, 1 de outubro de 2011

O messianismo



Bruno Glaab


0 - Antecedentes

Há no ser Ser Humano, em todos os tempos, uma tendência messiânica. Isto é, espera-se acontecimentos mirabolantes. Um súper-herói que venha do alto e resolva todos os problemas, que castigue os maus de forma trágica. Que o reino irrompa na história, sem que o homem e a mulher tenham participação direta na realização de tal acontecimento (At 1,6-8). Esta tendência messiânica se manifesta no lado positivo como no negativo:


a) Lado Positivo

Espera-se um messias que resolva tudo. Algumas seitas pregam que o velho mundo irá acabar e que a segunda vinda de Cristo inaugurará novo mundo só para os bons (Adventistas). Este mesmo messianismo se verifica no campo político, artístico, esportivo, etc. Muitos se tornam facilmente presa de políticos populistas, dos quais se esperam soluções mirabolantes. O mesmo se percebe em relação a artistas e atletas, de maneira tal, que tais personagens viram ídolos.


b) Lado negativo

Igualmente, o povo gosta de previsões catastróficas sobre guerras, tragédias, fim do mundo. Parecem uma maneira de superar crises intransponíveis de toda ordem. Um exemplo disto são os segredos de Fátima e os presságios de tantas seitas.


1 - Aspectos históricos

Para satisfazer às necessidades messiânica da humanidade, em todas as épocas, sempre houve a figura dos adivinhos e magos. Muitos destes previam coisas boas, mas também muitos previam o fim iminente. Na história da igreja se conhece heresias que pregam o fim: os milenaristas, etc.

Nas viradas de séculos e milênios sempre surgem tais fenômenos com muita ênfase. Em tempos mais recentes surgem grupos de caráter messiânico prevendo o fim do mundo com data marcada. As Testemunhas de Jeová já previram o fim inúmeras vezes. Marcaram-no para 1870, 1900, 1914, 1932, etc. Inclusive se diz que a indústria de alimentos enlatados surgiu e se desenvolveu entre um grupo religioso chamado de Quackers, nos EUA, pois o referido grupo esperava uma irrupção do reino onde haveria dias de tribulação. Os enlatados seriam o alimento para tais dias.

Com a virada do milênio, numa época de crises de toda ordem, em parte originados pelas injustiças sociais, ora pelas ideologias que guiam o mundo, e ainda pelo avanço técnico-científico que muda tudo num abrir e fechar de olhos, o terreno para os profetas do messianismo está fértil. O ser humano em crise de valores, sem terra firme sob seus pés busca no misterioso uma saída fácil para seus problemas insolúveis. E a grande massa do povo, que sofre toda espécie de carências, facilmente se torna vítima de tais messianismos. O mesmo fato aconteceu com a ascensão de Hitler ao poder. Uma Alemanha quebrada, com inflação galopante acima de mil% ao mês viu seu povo se agarrar a qualquer galho que lhe oferecesse segurança. Hitler se tornou para este povo, o messias que iria resolver, de forma poderosa, todos os problemas que o povo sofria.


2 - Aspectos bíblicos

Desde o AT se nota, na Bíblia referências à prática da magia e da adivinhação. Inicialmente se confunde o papel de profeta com o de vidente (1Sm).
- Saul diante de uma batalha consulta uma necromante (1Sm 28,3-19).
- Manassés estabeleceu necromantes e adivinhos (2Cr 33,6).
- Isaías atesta tal prática (Is 8,19).
- José do Egito interpreta sonhos (Gn 40-41).

Mas a Bíblia, ainda que em alguns casos mostra tal prática, condena a magia, a adivinhação e a invocação dos mortos.
“Não haja quem faça presságios, pratique astrologia, adivinhação ou magia, nem que pratique encantamentos, consulte espíritos ou adivinhos, ou também invoque os mortos”(Dt 18,10-11).

“Não pratique adivinhação nem magia”(Lv 19,26).

“Não se dirijam aos necromantes, nem consultem adivinhos, porque eles tornariam vocês impuros”(Lv 19,31).

A prática da adivinhação era, no fundo, a religião do estado. Os adivinhos são os ideólogos dos reis. É uma maneira de controlar o povo.

No Novo Testamento pode se citar algumas referências à prática da magia e adivinhação: Simão, o mago (At 8), a jovem adivinha (At 16,16ss), etc. Sempre, tais pessoas são apresentadas de forma negativa. Ainda se pode citar a literatura apocalíptica com um certo ranço de prever o futuro, mas, um estudo mais profundo mostrará que se deve perceber tal fato de maneira diferente. Havia, nesta época a crença no fim do mundo. Mc 13 reflete tal fato. Refere-se à destruição do templo, mas ao que parece, o texto foi escrito quando o fato já está consumado.


3 - O Apocalipse como sinal do fim

O livro do Apocalipse, devido ao seu gênero literário, à sua rica simbologia é o livro mais usado pelos profetas do fim para propalar suas profecias. No entanto, o livro do Apocalipse não é livro de previsões. Não serve para amedrontar, pois seu objetivo é justamente o contrário. Durante as duras perseguições do Império Romano, ele quer encorajar os cristãos que se sentem frágeis. O livro do apocalipse poderia ser resumido assim: “Não tenham medo! Jesus Cristo ressuscitado é o Senhor do mundo”. Isto se reflete em Ap 1,17-18). Mas devido ao gênero apocaliptico, gênero literário de momentos de grande perseguição, onde se usa muitos símbolos, linguagem velada, o livro é usado justamente no sentido contrário.

“Revelação de Jesus Cristo: Deus lha concedeu, para mostrar a seus servos o que deve acontecer em breve”(Ap 1,1).

Segundo os adivinhos de hoje, seria este 1º versículo um sinal claro de que estas coisas devem acontecer em breve. Mas esquecem-se de que esta frase já está escrita há quase dois mil anos e ainda não aconteceu. Por que deveria agora ser o tempo? Dizem os biblistas que o Apocalipse foi escrito em partes. A mais antiga seriam os capítulos 4-11, escritos nos anos 60 durante a perseguição de Nero. Os capítulos 12-22 teriam sido escritos nos anos 90 durante a perseguição de Domiciano e os capítulos 1-3 seriam a parte mais nova, escritos como introdução. Portanto, quando o livro já estava circulando, e muitas coisas já haviam acontecido, como no caso de Mc 13 em relação à destruição do templo. Logo, Ap 1,1 não tem a pretensão de prever o fim do mundo, mas quer mostrar que Jesus é o Senhor da História.

Outro texto muito usado pelos grupos fundamentalistas, e que teria algo a ver com o fim do mundo, é:

“E ninguém mais poderá comprar ou vender, se não tiver a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. Quem tiver inteligência, interprete o número da besta. É o momento de ter discernimento, pois é um número de homem. E o seu número é seiscentos e sessenta e seis”(Ap 13,17-18).

Segundo a crença fundamentalista, o número 666 seria o sinal do anticristo que viria na história. Algumas seitas aplicam este número ao Papa. Dizem os alguns fundamentalistas que o Papa usava, em sua Tiara o título:

V I C A R I U S F I L I I D E I (Vigário do Filho de Deus – representante)
5 1 100 - - 1 5 - - 1-50-1-1-500 -1 = 666

No entanto, o Apocalipse não se refere a algarismos romanos, mas usa letras gregas, que também têm seu valor numérico. Aqui há uma referência a César Nero. Escrito em Grego, à maneira hebraica, lido da esquerda para a direita, sem vogais:
Ü Ü

N V R eN Ra Se Q[1] - (César Nero)
50 6 200 50 200 60 100 = 666

O texto, nos tempos de Domiciano, usa o nome de Nero, por ter sido ele o símbolo de crueldade que, provavelmente patrocinou a morte de Pedro e de Paulo. Logo, quer esclarecer os cristãos de seu tempo e não quer meter medo em ninguém. Por isto mesmo este texto não serve para prever futuro, para caluniar o Papa, ou para antever o fim do mundo.

Os capítulos 21 e 22 do Apocalipse falam de novos céus e nova terra. Isto deu margens para que leitores fundamentalistas julgassem que o mundo terminaria e que a segunda vinda de Cristo inaugararia nova terra, onde só os membros de determinados grupos participariam. Novo céu e nova terra (Ap 21-22) não quer indicar tal coisa. Mostra apenas que Jesus ressuscitado é maior do que o Imperador Romano e que sua causa será vitoriosa sobre todos os poderes do mundo. Ele vai triunfar. Quem está com ele, triunfará com ele.



4 - O Anticristo de 1Jo 2,18

“Filhinhos, é chegada a última hora. Ouvistes dizer que vem um anticristo; pois agora muitos anticristos estão aí. Por isso reconhecemos que é a última hora”(1Jo 2,18).

O texto se refere aos hereges que deturpam a verdadeira imagem de Jesus. Negam sua humanidade (docetismo). Ora, negando a humanidade de Jesus, levam os fiéis a uma perigosa encruzilhada que lhes traga conseqüências desastrosas, como um Deus apenas idéia. O autor se refere à última hora como uma maneira de descrever o escândalo. Negar a Jesus, na concepção de João, é o fim. Jesus tinha anunciado que no fim dos tempos (período que vai desde a ressurreição até o fim da história) apareceriam os anticristos (Mc 13,22). Ora, eles já estão aí enganando o povo (cf Mc 13,21-23).

No entanto, este texto não pode ser visto como uma previsão do fim do mundo, pois neste caso ele teria se realizado nos tempos da redação da epístola, isto é, no fim do 1º século do cristianismo.


5 - Conclusão

Se alguém quiser saber como e quando Deus criou o mundo ou se quiser saber como e quando será o fim do mundo, não deverá buscar na Bíblia resposta para estas perguntas. A Bíblia não é livro de ciências para dizer quando e como foi criado o mundo e, menos ainda, para prever o futuro. A Bíblia ensina o projeto de Deus para a humanidade. O resto são especulações patológicas da fantasia humana que mais servem para atrapalhar do que construir.
Assim sendo, também no mundo bíblico encontramos a visão de um SH esperançoso que anseia pelo futuro. Este mesmo anseio o leva, em certos casos ao buscar a realização de forma mágica ou milagrosa, outras vezes, até busca o sinistro. Isto, tudo, no entanto, é um sinal de que, na compreensão bíblica, o SH é um ser aberto ao futuro, ou seja, alguém que está constantemente em busca. Melhor, diríamos, o SH não está completo na sua dimensão atual. Ele busca seu grande destino, a realização total, aquilo que chamamos de CÉU.
[1]WROSZ, Vicente. Quem é a besta do Apocalipse? Curitiba, Livraria SVD, p. 2.

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