Bruno Glaab
Para os cristãos, bem como para os judeus e também alguns outros grupos religiosos, a Bíblia é um livro de extraordinária importância. Mesmo pessoas sem fé lêem a Bíblia. Porém, nem todos lêem a Bíblia da mesma maneira. Ou melhor, nem mesmo todos os cristãos, ou todos os católicos lêem a Bíblia com os mesmo critérios. Para alguns, a Bíblia é um livro mágico onde se pode buscar soluções para todos os problemas da vida. Livro de saídas para todas as situações difíceis que afligem a humanidade: crises na família, desemprego, doenças, etc. Para outros a Bíblia é um livro de mistérios, onde se pode decifrar o futuro. Ainda para outros, a Bíblia é o livro das verdades prontas e absolutas que se pode e deve aplicar diretamente na vida. Basta ler a Bíblia e saber exatamente o que Deus quer da humanidade e reserva para ela. Qualquer frase bíblica é dogma inquestionável. Pior ainda, pessoas de certo nível intelectual zombam da Bíblia por julgar que ela está em contradição com as ciências, pois entendem a Bíblia como livro de ciências e de história. E, como hoje, as ciências desmentem alguns textos bíblicos, classificam toda a Bíblia como uma coleção de mitos pré-científicos, sem maior valor. Estas visões todas, na realidade, são viciadas. Transformam a Bíblia naquilo que ela não quer ser, ou melhor, naquilo que ela não é e nunca foi. Por isto mesmo, no mês da Bíblia queremos refletir sobre o real sentido deste livro, ou melhor, desta biblioteca, pois a Bíblia é formada por 73 livros.
O que buscar na Bíblia?
A Bíblia serve para “comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,15-17). Assim sendo, a Bíblia não pode servir para uma leitura fundamentalista ou ingênua, como se ela nos ensinasse história ou geografia, ou qualquer outra ciência. Menos ainda se deve transformar a Bíblia num livro de previsão de futuro. Ela não ensina nada sobre o fim do mundo. Costuma-se dizer: se alguém quer saber como foi o início do mundo, ou como será o fim do mundo, não deve buscar na Bíblia, pois nela nada disto se encontra. Simplesmente a Bíblia não ensina ciências e não faz previsões de futuro. É simples, nos tempos bíblicos não se conhecia nossas ciências de hoje. Nada se sabia de química, de física, de biologia ou de outras ciências de nossos tempos. Os escritores dos textos sagrados não conheciam o que nós hoje conhecemos e Deus nunca revelou ciências, mas apenas se revela a si. Para o conhecimento das ciências Deus deu a inteligência e o espírito de busca para o ser humano. Quanto às previsões de futuro, a Bíblia se manifesta contra tal prática (Dt 18,13-14).
Não se pode, também, cair na tentação fácil de ler a Bíblia com uma fé ingênua sem levar em conta o contexto em que ela nasceu. Não ver cada texto como uma verdade absoluta que deve ser obedecida às cegas, como se em cada frase da Bíblia estivesse uma verdade inquestionável. Ex.: Em Dt 13,7-11 se manda matar quem pratica a idolatria. Em Lv 20,10ss manda matar os adúlteros, homossexuais, etc. Em 1Cor 11,2ss manda as mulheres cubrir a cabeça, que tenham cabelos longos, que sejam inferiores aos homens, etc. Tudo isto eram preocupações concretas dentro de seu contexto, mas que, para nós hoje não têm sentido. Não podemos matar nenhum adúltero ou idólatra, nem sequer podemos aceitar a inferioridade da mulher ou obriga-a a usar cabelos longos, ou a cobrir a cabeça. A mulher com cabelos longos não é em nada superior à mulher de cabelos curtos. Tudo isto é fundamentalismo que mais traz problemas do que soluções. Portanto, ler a Bíblia assim, faz mal à fé e à vida comunitária e leva as pessoas ao fanatismo. Muitas guerras e perseguições já aconteceram por causa dos fundamentalismos.
Ora, se a Bíblia não é livro de ciências ou de história, nem de previsões, ou de soluções milagrosas, não traz verdades prontas para serem consumidas, para que serve, então? A Bíblia é uma coleção de livros, que antes de serem escritos, ao menos boa parte, eram a tradição de um povo que fizera sua experiência com Deus. Ou seja, um povo que fez uma experiência com Deus. Esta experiência mostra a bondade e o amor de Deus. Mostra também a maneira como homens e mulheres responderam a este amor de Deus. Muitas vezes estes homens e mulheres foram fiéis, outras vezes, nem tanto. Às vezes respondiam com amor, outras vezes se matavam em nome deste mesmo Deus. Apesar destas imperfeições humanas, Deus não os abandonou. Deus fez história com esta gente, porque seu amor é infinito. Assim, desde as primeiras páginas da Bíblia, encontramos coisas lindas e edificantes, mas também encontramos cenas de terror, de guerra, de matança, etc.
Na plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho (Hb 1,1ss; Jo 1,1ss), isto é, o Filho, que desde o princípio existia, assumiu a natureza humana com o nome de Jesus (Jo 1,14). Nele temos a plenitude da Revelação. Notemos que, quando se diz a plenitude da Revelação, isto não significa que Jesus nos revelasse tudo sobre Deus. Isto nem sequer caberia dentro de nossas inteligências. Deus não revela seus mistérios. Antes, aqui se quer afirmar que em Jesus temos o caminho que definitivamente nos leva ao Pai (Jo 14,6). Ou seja, tudo o que precisamos para chegar ao Pai, encontramos em Jesus. Não precisamos de novas “revelações”. Jesus é o caminho definitivo.
Dito isto, voltamos à pergunta inicial: o que buscar na Bíblia? A resposta é: nem tratados de ciência, nem história das origens do mundo, nem previsões de futuro, nem soluções milagrosas para qualquer situação humana, nem também verdades absolutas, prontas para serem obedecidas às cegas. Na Bíblia, a partir da fé e da oração buscamos perceber como Deus agiu no passado com seu povo, pois assim ele também age hoje conosco. Portanto, na Bíblia conheceremos a verdadeira imagem de Deus. Não no sentido de sabermos tudo sobre Ele, ou conhecer seus mistérios, mas conhecemos sua bondade, sua presença, seu projeto para nós. Na Bíblia conhecemos a Deus e também nos conhecemos a nós mesmos. Portanto, a Bíblia é sempre uma luz para iluminar a nossa caminhada. Na Bíblia nós percebemos como é o ser humano e como é Deus. Certamente nós, hoje, não somos muito diferentes dos homens e mulheres dos tempos bíblicos, embora hoje tenhamos outra compreensão de mundo. Percebemos como Deus tratou o ser humano nos tempos bíblicos e esta luz serve para nós hoje, pois assim ele também nos trata. Imaginemo-nos na pele do filho pródigo (Lc 15,11ss), na pele dos pecadores à mesa com Jesus (Mc 2,15ss), etc. A partir desta percepção de Deus e desta percepção de ser humano, a Bíblia nos revela como precisamos viver para realizarmos a nossa humanidade em plenitude, já aqui na terra, para depois culminar na eternidade.
Como entender a Bíblia?
É difícil responder a esta pergunta. Não se pode dar receitas prontas em poucas linhas. Assim como nenhum médico poderia escrever um artigo, no qual ensinasse como praticar a medicina, também nenhum professor de Bíblia pode escrever um artigo ensinando como interpretar a Bíblia. As dificuldades de compreensão sempre existiram (2Pd 3,16). Mesmo assim, tentaremos alguns passos que nos ajudem a entrar melhor neste livro:
1) Estudar a história que perpassa a Bíblia. Quando se conhece bem a história, desde a formação inicial do povo da Bíblia até o fim do Novo Testamento, pode-se entender quais os problemas e motivações que influíram para a formação de cada livro que hoje temos na Bíblia. Existe muito material bibliográfico nas boas livrarias, inclusive muitas Bíblia têm, além das introduções, das notas, apêndices no fim do livro, onde se dá uma visão da história. Ex.: a Bíblia de Jerusalém, Teb, etc;
2) Antes de ler um texto bíblico, ler as introduções que as próprias Bíblias trazem para cada livro bíblico. De preferência, ter duas ou mais traduções da Bíblia (Pastoral, de Jerusalém, Teb, Peregrino, etc.). As introduções nos situam em que época cada livro foi formado, bem como os motivos. Isto é muito importante para a compreensão dos mesmos. Assim como temos dificuldades de entender qualquer conversa de amigos quando os ouvimos, mas não sabemos do que estão falando, assim também acontece com a Biblia: ler um texto sem antes ler a introdução é como ouvir conversa de amigos sem saber do que estão falando.
3) Acostumar-se a ler os livros bíblicos do início até o fim, evitando a leitura aleatória de pequenos textos, ora de um livro, ora de outro. Assim nunca se poderá entender o todo. Existe certa piedade popular que usa caixinhas de cartolina com algumas milhares de frases bíblicas. Cada dia se tira uma frase bíblica para alimentar a espiritualidade. Isto é um acinte, pois acaba deformando a Bíblia. Como se vai entender a Bíblia se só lemos frases avulsas. Entenderíamos as novelas se num dia ouvíssemos uma frase de um ator e no dia seguinte ouvíssemos a frase de outro autor, de outra novela, ou de outro capítulo? Certamente não entenderíamos nada.
4) Lembrar que na Bíblia existem muitos gêneros literários. Cada gênero literário deve ser lido à sua maneira. Ex.: os livros de Jonas e Jó são espécie de novelas, ou seja, algo parecido com peças de teatro. Os livros dos Reis e de Samuel são livros históricos, emquanto Isaías e Jeremias são livros proféticos. Logo, estes livros não podem ser lidos como se fossem todos livros de história. É um absurdo ler Jonas e Jó como um fato histórico. Os primeiros 11 capítulos de Gênesis são simbólicos e não histórico-científicos. O Apocalipse usa uma simbologia velada. Portanto, buscar nestes capítulos explicações históricas para a origem ou para o fim do mundo é uma ingenuidade. Bem, dirão o leitor e a leitora: como poderemos conhecer gêneros literários? Talvez o item dois: ler as introduções das Bíblias pode nos ajudar, ao menos um pouco. É bom também fazer visita às livrarias católicas e adquirir material popular sobre Bíblia. Quem quer entender, necessariamente precisa se acostumar a ler.
5) Ir à Bíblia com fé e oração, de preferência, em comunidade. Não se pode estudar a Bíblia como se estuda qualquer livro de ciência. A Bíblia não é livro de ciência, mas o livro da Revelação de Deus. Estudar apenas para saber não vale a pena. Deve-se estudar para saber e, principalmente, para viver. A Bíblia quer se transformar em vida, ou seja, ela é luz que ilumina a nossa caminhada. De nada adianta ler a Bíblia se não fizermos a nossa caminhada à luz da Bíblia.
6) Estudar e meditar a Bíblia com freqüência. Ou seja, dar tempo à leitura e meditação bíblicas. Nada se aprende sem esforço. Imaginemos se diariamente lêssemos, ao menos um capítulo de determinado livro bíblico. Depois de alguns anos teríamos uma imagem de toda Bíblia em nossa cabeça e, mais do que isto, em nosso coração e em nossa vida.
Livros prioritários
Toda Bíblia é inspirada por Deus e é Revelação. Logo devemos aceitar todos os 73 livros da Bíblia, evitando ler o que nos interessa e deixar de lado o que não nos convêm. Mesmo assim, é importante saber que, para nós cristãos, o centro da Bíblia são os quatro evangelhos, pois neles encontramos a palavra de Jesus. E Jesus é, para nós, o centro de toda a Revelação de Deus. “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio de seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2). Por isto mesmo afirmamos: Jesus é a plenitude da Revelação. Ninguém precisa de outras revelações (e como surgem tantas outras supostas “revelações”! E como muita gente corre atrás destas supostas “revelações”!). ou melhor, não existem outras “revelações” necessárias, pois Jesus Cristo é a plenitude da Revelação. Jesus é a Revelação do Pai. Tudo o que o Pai quis nos Revelar, ele o fez em Jesus. Depois de nos termos apropriado dos quatro evangelhos é oportuno ler também os demais livros do Novo Testamento (Atos dos Apóstolos, Cartas e Apocalipse), pois eles são o evangelho aplicado ao seu tempo. Estes livros nos ensinam a entender Jesus. Por fim, para poder entender o Novo Testamento, convém, também ler o Antigo Testamento. Pois sem uma compreensão do Antigo Testamento nunca entenderemos o Novo Testamento. Além do mais, como afirmamos acima, Deus também se revela no Antigo Testamento. Por isto, também no Antigo Testamento podemos priorizar alguns livros, mas todos têm seu lugar. Se quisermos priorizar, poderíamos falar no livro do Êxodo, pois nele está o fundamento da antiga aliança. Depois do Êxodo, poderíamos olhar com mais atenção alguns livros históricos (Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs, 1-2Mc, etc.) e depois escolher alguns livros proféticos (Amós, Isaías, Jeremias, etc.) e alguns sapienciais (Sl, Sb, Eclo, etc.). Sempre, no entanto, lembrando que é bom ler todos os livros da Bíblia.
Pontos principais da Bíblia
O que uma pessoa de fé deve buscar na Bíblia? Quais os pontos principais? Ou na Bíblia tudo tem o mesmo valor?
1) O ponto mais elevado da Bíblia certamente é o Reino de Deus instaurado por Jesus Cristo, ao qual nós, como discípulos/as de Jesus, queremos aderir. Portanto, não se trata de buscar ciências ou mistérios na Bíblia, mas perceber os valores do Reino, para também nós, em nossa realidade, vivê-los;
2) As exigências de viver o Reino de Deus em nossa vida e em nossas comunidades. Não se trata de buscar soluções milagrosas na pessoa de Jesus, nem facilidades para a nossa vida; mas, a exemplo da oração ensinada por Jesus (Mt 6,9-14) elucidar os nosso compromissos com o Reino para que ele venha.
3) Buscar a salvação em Jesus Cristo. Lembrando sempre que salvação não é um processo individual que se obtém pela observância de mandamentos, mas antes, é um processo comunitário que se obtém pela adesão a Jesus Cristo. É Ele que nos justifica (Gl 2,16). A nós cabe a adesão pela fé que se traduz pela vida comunitária, eclesial e compromisso com a vida. Convém ainda dizer que, salvação não é algo apenas para depois da nossa morte. A salvação começa aqui e agora. Ela é o início do Reino de Deus que culmina na eternidade;
4) Experimentar como Deus, cheio de bondade, entrou na vida das pessoas humanas, desde os primeiros livros da Bíblia e fez história com estas mesmas pessoas, apesar dos pecados e infidelidades. Como Deus sempre de novo mostrou seu amor, perdoando e iluminando, conduzindo estas pessoas até a última página da Bíblia. Pois assim como ele agiu, ele age. Isto mostra que também hoje Deus está em nossa história, apesar de nossas infidelidades e pecados. A Bíblia, nesta perspectiva, quer ser um farol que ilumina o nosso caminho de hoje.
5) Perceber a imagem de Deus e de ser humano que a Bíblia nos revela. Desde o início da Bíblia até o fim percebemos diversas imagens de Deus e diversas imagens de ser humano. Muitas vezes temos um Deus amigo, preocupado com a vida, a liberdade e a fartura (Ex 3,6ss) e por conseqüência temos a imagem de um ser humano livre, saciado e amado. Outras vezes temos a imagem de um Deus ciumento e vingativo (Ex 20,2ss). Às vezes temos um Deus da justiça (Is 1,10ss; Is 58,1ss, etc.) Outras vezes temos um Deus da Lei (Lv 11ss). Todas estas visões do Antigo Testamento, ainda deficitárias, culminam na pessoa de Jesus Cristo que nos revela um Pai comprometido com a vida (Mt 6,9ss), que ama o mundo (Jo 3,16), que se alegra com a volta dos filhos (Lc 15,11ss) e do próprio Jesus que veio para que todos tenham vida (Jo 10,10), que se compromete com os fracos (Lc 4,14ss), etc. A verdadeira imagem de Deus nos é dada por Jesus. De todas estas imagens de Deus e de Jesus Cristo se depreende que imagem de ser humano a Bíblia nos revela, isto é, um ser humano com dignidade;
6) Alimentar a espiritualidade. A leitura bíblica sistemática e aprofundada é como os ascramentos e a oração, alimento para a nossa espiritualidade;
7) Prestar o verdadeiro culto a Deus. De tudo o que apontamos anteriormente, podemos concluir que, o melhor culto prestado a Deus é o compromisso com o ser humano. A Bíblia sempre liga amor a Deus a amor ao próximo. Assim faz o Antigo Testamento (Is 1,10ss; Is 58,1ss), assim o faz Jesus (Lc 10,25ss).
A contemporaneidade da Bíblia
A Bíblia, embora formada e escrita há tanto tempo, é uma coleção de livros bem atuais. Se ela não ensina ciências, nem faz previsões, nem sequer tem soluções milagrosas, ela nos faz experimentar Deus e a nossa própria dignidade humana. Convém, então, desmitologizar a Bíblia e lê-la para o mundo de hoje. Antes de ver nela história, ciências, ver nela a imagem de Deus e do ser humano. Ver como Deus caminhou com seu povo, como foi fiel, como enviou seu Filho para a nossa remissão. Pois, embora nosso mundo seja muito diferente daquele da Bíblia, as situações vitais do ser humano hoje, não são muito diferentes. O ser humano, para realizar suas potencialidades plenamente, precisa de Deus. Ou seja, o ser humano não se basta a si mesmo. A busca de Deus para que o ser humano realize a sua plenitude se dá de muitas formas: pela vida comunitária, pela oração, pela freqüência aos sacramentos e, principalmente pelo amor ao próximo. Aliás, diríamos, o primeiro passo do ser humano é necessariamente o amor. As celebrações, a oração, os sacramentos são sempre o segundo momento. Sem o amor tudo isto perde o sentido. Ou seja, o ser humano que não ama não tem nada a celebrar, tem oração vazia, ou nem tem porquê rezar ou freqüentar sacramentos.
A Bíblia fundamenta o nosso amor, ou melhor, ilumina o nosso amor. Mesmo nas situações de maior crise, a Bíblia sempre de novo nos mostra como amar ao nosso semelhante e a Deus. Pois o amor a Deus passa pelo amor ao próximo (1Jo 4,20). A fidelidade a Deus é fidelidade ao povo. Portanto, a Bíblia é o facho de luz que, em primeiro lugar fundamenta o nosso amor a Deus e ao próximo, é também o fundamento de nossas celebrações, de nossa oração e de nossos sacramentos. Sem a Bíblia, toda a nossa vida cristã cairia no abismo. Perderia completamente seu fundamento.
Conclusão
A Bíblia não é livro mágico, nem milagroso, nem outra coisa qualquer. Antes, a Bíblia é o fundamento de nossa fé, de nosso amor, de nossa vida comunitária, de nossa prática eclesial. Por isto, quem quer conhecer verdades absolutas prontas para o consumo, ciências, mistérios do além, ou quem quer milagres para facilitar a vida não deve buscar na Bíblia. Nada disto vai encontrar. Quem, no entanto, quer seguir a Jesus Cristo, ter uma fé mais viva, um compromisso comunitário mais autêntico, uma vida de oração mais encarnada e uma pratica sacramental mais coerente, deve reavivar seu amor na Bíblia, pois ela é o fundamento do amor e da vida eclesial.
Para os cristãos, bem como para os judeus e também alguns outros grupos religiosos, a Bíblia é um livro de extraordinária importância. Mesmo pessoas sem fé lêem a Bíblia. Porém, nem todos lêem a Bíblia da mesma maneira. Ou melhor, nem mesmo todos os cristãos, ou todos os católicos lêem a Bíblia com os mesmo critérios. Para alguns, a Bíblia é um livro mágico onde se pode buscar soluções para todos os problemas da vida. Livro de saídas para todas as situações difíceis que afligem a humanidade: crises na família, desemprego, doenças, etc. Para outros a Bíblia é um livro de mistérios, onde se pode decifrar o futuro. Ainda para outros, a Bíblia é o livro das verdades prontas e absolutas que se pode e deve aplicar diretamente na vida. Basta ler a Bíblia e saber exatamente o que Deus quer da humanidade e reserva para ela. Qualquer frase bíblica é dogma inquestionável. Pior ainda, pessoas de certo nível intelectual zombam da Bíblia por julgar que ela está em contradição com as ciências, pois entendem a Bíblia como livro de ciências e de história. E, como hoje, as ciências desmentem alguns textos bíblicos, classificam toda a Bíblia como uma coleção de mitos pré-científicos, sem maior valor. Estas visões todas, na realidade, são viciadas. Transformam a Bíblia naquilo que ela não quer ser, ou melhor, naquilo que ela não é e nunca foi. Por isto mesmo, no mês da Bíblia queremos refletir sobre o real sentido deste livro, ou melhor, desta biblioteca, pois a Bíblia é formada por 73 livros.
O que buscar na Bíblia?
A Bíblia serve para “comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,15-17). Assim sendo, a Bíblia não pode servir para uma leitura fundamentalista ou ingênua, como se ela nos ensinasse história ou geografia, ou qualquer outra ciência. Menos ainda se deve transformar a Bíblia num livro de previsão de futuro. Ela não ensina nada sobre o fim do mundo. Costuma-se dizer: se alguém quer saber como foi o início do mundo, ou como será o fim do mundo, não deve buscar na Bíblia, pois nela nada disto se encontra. Simplesmente a Bíblia não ensina ciências e não faz previsões de futuro. É simples, nos tempos bíblicos não se conhecia nossas ciências de hoje. Nada se sabia de química, de física, de biologia ou de outras ciências de nossos tempos. Os escritores dos textos sagrados não conheciam o que nós hoje conhecemos e Deus nunca revelou ciências, mas apenas se revela a si. Para o conhecimento das ciências Deus deu a inteligência e o espírito de busca para o ser humano. Quanto às previsões de futuro, a Bíblia se manifesta contra tal prática (Dt 18,13-14).
Não se pode, também, cair na tentação fácil de ler a Bíblia com uma fé ingênua sem levar em conta o contexto em que ela nasceu. Não ver cada texto como uma verdade absoluta que deve ser obedecida às cegas, como se em cada frase da Bíblia estivesse uma verdade inquestionável. Ex.: Em Dt 13,7-11 se manda matar quem pratica a idolatria. Em Lv 20,10ss manda matar os adúlteros, homossexuais, etc. Em 1Cor 11,2ss manda as mulheres cubrir a cabeça, que tenham cabelos longos, que sejam inferiores aos homens, etc. Tudo isto eram preocupações concretas dentro de seu contexto, mas que, para nós hoje não têm sentido. Não podemos matar nenhum adúltero ou idólatra, nem sequer podemos aceitar a inferioridade da mulher ou obriga-a a usar cabelos longos, ou a cobrir a cabeça. A mulher com cabelos longos não é em nada superior à mulher de cabelos curtos. Tudo isto é fundamentalismo que mais traz problemas do que soluções. Portanto, ler a Bíblia assim, faz mal à fé e à vida comunitária e leva as pessoas ao fanatismo. Muitas guerras e perseguições já aconteceram por causa dos fundamentalismos.
Ora, se a Bíblia não é livro de ciências ou de história, nem de previsões, ou de soluções milagrosas, não traz verdades prontas para serem consumidas, para que serve, então? A Bíblia é uma coleção de livros, que antes de serem escritos, ao menos boa parte, eram a tradição de um povo que fizera sua experiência com Deus. Ou seja, um povo que fez uma experiência com Deus. Esta experiência mostra a bondade e o amor de Deus. Mostra também a maneira como homens e mulheres responderam a este amor de Deus. Muitas vezes estes homens e mulheres foram fiéis, outras vezes, nem tanto. Às vezes respondiam com amor, outras vezes se matavam em nome deste mesmo Deus. Apesar destas imperfeições humanas, Deus não os abandonou. Deus fez história com esta gente, porque seu amor é infinito. Assim, desde as primeiras páginas da Bíblia, encontramos coisas lindas e edificantes, mas também encontramos cenas de terror, de guerra, de matança, etc.
Na plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho (Hb 1,1ss; Jo 1,1ss), isto é, o Filho, que desde o princípio existia, assumiu a natureza humana com o nome de Jesus (Jo 1,14). Nele temos a plenitude da Revelação. Notemos que, quando se diz a plenitude da Revelação, isto não significa que Jesus nos revelasse tudo sobre Deus. Isto nem sequer caberia dentro de nossas inteligências. Deus não revela seus mistérios. Antes, aqui se quer afirmar que em Jesus temos o caminho que definitivamente nos leva ao Pai (Jo 14,6). Ou seja, tudo o que precisamos para chegar ao Pai, encontramos em Jesus. Não precisamos de novas “revelações”. Jesus é o caminho definitivo.
Dito isto, voltamos à pergunta inicial: o que buscar na Bíblia? A resposta é: nem tratados de ciência, nem história das origens do mundo, nem previsões de futuro, nem soluções milagrosas para qualquer situação humana, nem também verdades absolutas, prontas para serem obedecidas às cegas. Na Bíblia, a partir da fé e da oração buscamos perceber como Deus agiu no passado com seu povo, pois assim ele também age hoje conosco. Portanto, na Bíblia conheceremos a verdadeira imagem de Deus. Não no sentido de sabermos tudo sobre Ele, ou conhecer seus mistérios, mas conhecemos sua bondade, sua presença, seu projeto para nós. Na Bíblia conhecemos a Deus e também nos conhecemos a nós mesmos. Portanto, a Bíblia é sempre uma luz para iluminar a nossa caminhada. Na Bíblia nós percebemos como é o ser humano e como é Deus. Certamente nós, hoje, não somos muito diferentes dos homens e mulheres dos tempos bíblicos, embora hoje tenhamos outra compreensão de mundo. Percebemos como Deus tratou o ser humano nos tempos bíblicos e esta luz serve para nós hoje, pois assim ele também nos trata. Imaginemo-nos na pele do filho pródigo (Lc 15,11ss), na pele dos pecadores à mesa com Jesus (Mc 2,15ss), etc. A partir desta percepção de Deus e desta percepção de ser humano, a Bíblia nos revela como precisamos viver para realizarmos a nossa humanidade em plenitude, já aqui na terra, para depois culminar na eternidade.
Como entender a Bíblia?
É difícil responder a esta pergunta. Não se pode dar receitas prontas em poucas linhas. Assim como nenhum médico poderia escrever um artigo, no qual ensinasse como praticar a medicina, também nenhum professor de Bíblia pode escrever um artigo ensinando como interpretar a Bíblia. As dificuldades de compreensão sempre existiram (2Pd 3,16). Mesmo assim, tentaremos alguns passos que nos ajudem a entrar melhor neste livro:
1) Estudar a história que perpassa a Bíblia. Quando se conhece bem a história, desde a formação inicial do povo da Bíblia até o fim do Novo Testamento, pode-se entender quais os problemas e motivações que influíram para a formação de cada livro que hoje temos na Bíblia. Existe muito material bibliográfico nas boas livrarias, inclusive muitas Bíblia têm, além das introduções, das notas, apêndices no fim do livro, onde se dá uma visão da história. Ex.: a Bíblia de Jerusalém, Teb, etc;
2) Antes de ler um texto bíblico, ler as introduções que as próprias Bíblias trazem para cada livro bíblico. De preferência, ter duas ou mais traduções da Bíblia (Pastoral, de Jerusalém, Teb, Peregrino, etc.). As introduções nos situam em que época cada livro foi formado, bem como os motivos. Isto é muito importante para a compreensão dos mesmos. Assim como temos dificuldades de entender qualquer conversa de amigos quando os ouvimos, mas não sabemos do que estão falando, assim também acontece com a Biblia: ler um texto sem antes ler a introdução é como ouvir conversa de amigos sem saber do que estão falando.
3) Acostumar-se a ler os livros bíblicos do início até o fim, evitando a leitura aleatória de pequenos textos, ora de um livro, ora de outro. Assim nunca se poderá entender o todo. Existe certa piedade popular que usa caixinhas de cartolina com algumas milhares de frases bíblicas. Cada dia se tira uma frase bíblica para alimentar a espiritualidade. Isto é um acinte, pois acaba deformando a Bíblia. Como se vai entender a Bíblia se só lemos frases avulsas. Entenderíamos as novelas se num dia ouvíssemos uma frase de um ator e no dia seguinte ouvíssemos a frase de outro autor, de outra novela, ou de outro capítulo? Certamente não entenderíamos nada.
4) Lembrar que na Bíblia existem muitos gêneros literários. Cada gênero literário deve ser lido à sua maneira. Ex.: os livros de Jonas e Jó são espécie de novelas, ou seja, algo parecido com peças de teatro. Os livros dos Reis e de Samuel são livros históricos, emquanto Isaías e Jeremias são livros proféticos. Logo, estes livros não podem ser lidos como se fossem todos livros de história. É um absurdo ler Jonas e Jó como um fato histórico. Os primeiros 11 capítulos de Gênesis são simbólicos e não histórico-científicos. O Apocalipse usa uma simbologia velada. Portanto, buscar nestes capítulos explicações históricas para a origem ou para o fim do mundo é uma ingenuidade. Bem, dirão o leitor e a leitora: como poderemos conhecer gêneros literários? Talvez o item dois: ler as introduções das Bíblias pode nos ajudar, ao menos um pouco. É bom também fazer visita às livrarias católicas e adquirir material popular sobre Bíblia. Quem quer entender, necessariamente precisa se acostumar a ler.
5) Ir à Bíblia com fé e oração, de preferência, em comunidade. Não se pode estudar a Bíblia como se estuda qualquer livro de ciência. A Bíblia não é livro de ciência, mas o livro da Revelação de Deus. Estudar apenas para saber não vale a pena. Deve-se estudar para saber e, principalmente, para viver. A Bíblia quer se transformar em vida, ou seja, ela é luz que ilumina a nossa caminhada. De nada adianta ler a Bíblia se não fizermos a nossa caminhada à luz da Bíblia.
6) Estudar e meditar a Bíblia com freqüência. Ou seja, dar tempo à leitura e meditação bíblicas. Nada se aprende sem esforço. Imaginemos se diariamente lêssemos, ao menos um capítulo de determinado livro bíblico. Depois de alguns anos teríamos uma imagem de toda Bíblia em nossa cabeça e, mais do que isto, em nosso coração e em nossa vida.
Livros prioritários
Toda Bíblia é inspirada por Deus e é Revelação. Logo devemos aceitar todos os 73 livros da Bíblia, evitando ler o que nos interessa e deixar de lado o que não nos convêm. Mesmo assim, é importante saber que, para nós cristãos, o centro da Bíblia são os quatro evangelhos, pois neles encontramos a palavra de Jesus. E Jesus é, para nós, o centro de toda a Revelação de Deus. “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio de seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2). Por isto mesmo afirmamos: Jesus é a plenitude da Revelação. Ninguém precisa de outras revelações (e como surgem tantas outras supostas “revelações”! E como muita gente corre atrás destas supostas “revelações”!). ou melhor, não existem outras “revelações” necessárias, pois Jesus Cristo é a plenitude da Revelação. Jesus é a Revelação do Pai. Tudo o que o Pai quis nos Revelar, ele o fez em Jesus. Depois de nos termos apropriado dos quatro evangelhos é oportuno ler também os demais livros do Novo Testamento (Atos dos Apóstolos, Cartas e Apocalipse), pois eles são o evangelho aplicado ao seu tempo. Estes livros nos ensinam a entender Jesus. Por fim, para poder entender o Novo Testamento, convém, também ler o Antigo Testamento. Pois sem uma compreensão do Antigo Testamento nunca entenderemos o Novo Testamento. Além do mais, como afirmamos acima, Deus também se revela no Antigo Testamento. Por isto, também no Antigo Testamento podemos priorizar alguns livros, mas todos têm seu lugar. Se quisermos priorizar, poderíamos falar no livro do Êxodo, pois nele está o fundamento da antiga aliança. Depois do Êxodo, poderíamos olhar com mais atenção alguns livros históricos (Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs, 1-2Mc, etc.) e depois escolher alguns livros proféticos (Amós, Isaías, Jeremias, etc.) e alguns sapienciais (Sl, Sb, Eclo, etc.). Sempre, no entanto, lembrando que é bom ler todos os livros da Bíblia.
Pontos principais da Bíblia
O que uma pessoa de fé deve buscar na Bíblia? Quais os pontos principais? Ou na Bíblia tudo tem o mesmo valor?
1) O ponto mais elevado da Bíblia certamente é o Reino de Deus instaurado por Jesus Cristo, ao qual nós, como discípulos/as de Jesus, queremos aderir. Portanto, não se trata de buscar ciências ou mistérios na Bíblia, mas perceber os valores do Reino, para também nós, em nossa realidade, vivê-los;
2) As exigências de viver o Reino de Deus em nossa vida e em nossas comunidades. Não se trata de buscar soluções milagrosas na pessoa de Jesus, nem facilidades para a nossa vida; mas, a exemplo da oração ensinada por Jesus (Mt 6,9-14) elucidar os nosso compromissos com o Reino para que ele venha.
3) Buscar a salvação em Jesus Cristo. Lembrando sempre que salvação não é um processo individual que se obtém pela observância de mandamentos, mas antes, é um processo comunitário que se obtém pela adesão a Jesus Cristo. É Ele que nos justifica (Gl 2,16). A nós cabe a adesão pela fé que se traduz pela vida comunitária, eclesial e compromisso com a vida. Convém ainda dizer que, salvação não é algo apenas para depois da nossa morte. A salvação começa aqui e agora. Ela é o início do Reino de Deus que culmina na eternidade;
4) Experimentar como Deus, cheio de bondade, entrou na vida das pessoas humanas, desde os primeiros livros da Bíblia e fez história com estas mesmas pessoas, apesar dos pecados e infidelidades. Como Deus sempre de novo mostrou seu amor, perdoando e iluminando, conduzindo estas pessoas até a última página da Bíblia. Pois assim como ele agiu, ele age. Isto mostra que também hoje Deus está em nossa história, apesar de nossas infidelidades e pecados. A Bíblia, nesta perspectiva, quer ser um farol que ilumina o nosso caminho de hoje.
5) Perceber a imagem de Deus e de ser humano que a Bíblia nos revela. Desde o início da Bíblia até o fim percebemos diversas imagens de Deus e diversas imagens de ser humano. Muitas vezes temos um Deus amigo, preocupado com a vida, a liberdade e a fartura (Ex 3,6ss) e por conseqüência temos a imagem de um ser humano livre, saciado e amado. Outras vezes temos a imagem de um Deus ciumento e vingativo (Ex 20,2ss). Às vezes temos um Deus da justiça (Is 1,10ss; Is 58,1ss, etc.) Outras vezes temos um Deus da Lei (Lv 11ss). Todas estas visões do Antigo Testamento, ainda deficitárias, culminam na pessoa de Jesus Cristo que nos revela um Pai comprometido com a vida (Mt 6,9ss), que ama o mundo (Jo 3,16), que se alegra com a volta dos filhos (Lc 15,11ss) e do próprio Jesus que veio para que todos tenham vida (Jo 10,10), que se compromete com os fracos (Lc 4,14ss), etc. A verdadeira imagem de Deus nos é dada por Jesus. De todas estas imagens de Deus e de Jesus Cristo se depreende que imagem de ser humano a Bíblia nos revela, isto é, um ser humano com dignidade;
6) Alimentar a espiritualidade. A leitura bíblica sistemática e aprofundada é como os ascramentos e a oração, alimento para a nossa espiritualidade;
7) Prestar o verdadeiro culto a Deus. De tudo o que apontamos anteriormente, podemos concluir que, o melhor culto prestado a Deus é o compromisso com o ser humano. A Bíblia sempre liga amor a Deus a amor ao próximo. Assim faz o Antigo Testamento (Is 1,10ss; Is 58,1ss), assim o faz Jesus (Lc 10,25ss).
A contemporaneidade da Bíblia
A Bíblia, embora formada e escrita há tanto tempo, é uma coleção de livros bem atuais. Se ela não ensina ciências, nem faz previsões, nem sequer tem soluções milagrosas, ela nos faz experimentar Deus e a nossa própria dignidade humana. Convém, então, desmitologizar a Bíblia e lê-la para o mundo de hoje. Antes de ver nela história, ciências, ver nela a imagem de Deus e do ser humano. Ver como Deus caminhou com seu povo, como foi fiel, como enviou seu Filho para a nossa remissão. Pois, embora nosso mundo seja muito diferente daquele da Bíblia, as situações vitais do ser humano hoje, não são muito diferentes. O ser humano, para realizar suas potencialidades plenamente, precisa de Deus. Ou seja, o ser humano não se basta a si mesmo. A busca de Deus para que o ser humano realize a sua plenitude se dá de muitas formas: pela vida comunitária, pela oração, pela freqüência aos sacramentos e, principalmente pelo amor ao próximo. Aliás, diríamos, o primeiro passo do ser humano é necessariamente o amor. As celebrações, a oração, os sacramentos são sempre o segundo momento. Sem o amor tudo isto perde o sentido. Ou seja, o ser humano que não ama não tem nada a celebrar, tem oração vazia, ou nem tem porquê rezar ou freqüentar sacramentos.
A Bíblia fundamenta o nosso amor, ou melhor, ilumina o nosso amor. Mesmo nas situações de maior crise, a Bíblia sempre de novo nos mostra como amar ao nosso semelhante e a Deus. Pois o amor a Deus passa pelo amor ao próximo (1Jo 4,20). A fidelidade a Deus é fidelidade ao povo. Portanto, a Bíblia é o facho de luz que, em primeiro lugar fundamenta o nosso amor a Deus e ao próximo, é também o fundamento de nossas celebrações, de nossa oração e de nossos sacramentos. Sem a Bíblia, toda a nossa vida cristã cairia no abismo. Perderia completamente seu fundamento.
Conclusão
A Bíblia não é livro mágico, nem milagroso, nem outra coisa qualquer. Antes, a Bíblia é o fundamento de nossa fé, de nosso amor, de nossa vida comunitária, de nossa prática eclesial. Por isto, quem quer conhecer verdades absolutas prontas para o consumo, ciências, mistérios do além, ou quem quer milagres para facilitar a vida não deve buscar na Bíblia. Nada disto vai encontrar. Quem, no entanto, quer seguir a Jesus Cristo, ter uma fé mais viva, um compromisso comunitário mais autêntico, uma vida de oração mais encarnada e uma pratica sacramental mais coerente, deve reavivar seu amor na Bíblia, pois ela é o fundamento do amor e da vida eclesial.
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