domingo, 8 de abril de 2012

A MANSÃO DOS MORTOS


Bruno Glaab

Introdução:

Com o presente estudo vamos abordar um dito de nosso Credo: “Desceu à Mansão dos Mortos”. Como texto base de nosso estudo vamos analisar 1Pd 3,19-20. Em relação com este texto, veremos outros textos que, até certo ponto fazem eco com o texto referido. Veremos como habitualmente se entende esta doutrina, em nosso catecismo, no discurso do Papa e num estudo exegético do referido texto em autores que analisam o mesmo texto.

1) Bases fundantes: 1Pd 3,18-20; 1Pd 4,6;

Com efeito, também Cristo morreu uma vez pelos
pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Morto na carne,
foi vivificado no espírito, no qual foi
também pregar aos espíritos em prisão, a saber, aos que foram incrédulos outrora,
nos dias de Noé, quando Deus, em sua longanimidade, contemporizava com eles,
enquanto Noé construía a arca, na qual poucas pessoas, isto é, oito, foram
salvas por meio da água (1Pd 3,18-20).

Eis que o evangelho foi pregado também aos mortos, a fim de que sejam julgados
como os homens na carne, mas vivam no espírito, com Deus (1Pd 4,6).


2) Catecismo da Igreja Católica (CIC)

O CIC nos diz: “Desceu aos infernos”, “Morada dos mortos”,
“Profundezas da morte” (CIC, 632-634). Ao descer aos infernos Jesus teria
resgatado aqueles que jaziam mortos, mas não contemplavam a visão de Deus:

“São precisamente essas almas santas, que esperavam o
seu Libertador no seio de Abraão, que Jesus libertou ao descer aos infernos.
Jesus não desceu aos infernos para ali libertar os condenados, nem para
destruir o Inferno da condenação, mas para libertar os justos que o haviam precedido”
(CIC 633).

Desta forma, segundo o CIC, a ação salvífica de Jesus se
estendeu a todos os seres humanos e, de todos os tempos. “O Cristo morto, na sua alma unida à sua
pessoa divina, desceu à Morada dos Mortos. Abriu as portas do Céu aos justos
que o haviam precedido” (CIC 637).

3) Bento XVI

Bento XVI, falando sobre o assunto, diz:

Ele encontra Adão e todos os
homens que esperam na noite da morte. À sua vista parece até ouvir a oração de
Jonas: “Clamei a vós do meio da morada dos mortos, e ouvistes a minha voz” (Jn
2,3). O Filho de Deus na encarnação fez-se uma só coisa com o ser humano – com
Adão. Mas só naquele momento, em que
cumpre o extremo ato de amor descendo na noite da morte, Ele cumpre o caminho
da encarnação. Com a sua morte Ele leva Adão pela mão, leva todos os homens
em expectativa para a luz.
Contudo, agora, pode-se
perguntar: Mas o que significa esta imagem? Que novidade realmente aconteceu
ali através de Cristo? Sendo a alma do homem por si própria imortal desde a
criação, qual foi a novidade que Cristo trouxe?
Sim, a alma é imortal, porque o homem de forma
singular está na memória e no amor de Deus, mesmo depois da sua queda. Mas a
sua força não basta para elevar-se até Deus. Não temos asas que poderiam
levar-nos até aquela altura. Porém, nada pode contentar o homem eternamente, se
não o estar com Deus.
Uma eternidade sem esta união com Deus seria
uma condenação. O homem não consegue chegar ao alto, mas deseja-o: “Clamei a
vós…” Só o Cristo ressuscitado pode
elevar-nos até à união com Deus, onde nossas forças não podem chegar.
Ele carrega realmente a
ovelha perdida sobre os seus ombros e a leva para casa. Vivemos sustentados
pelo seu Corpo, e em comunhão com o seu Corpo alcançamos o coração de Deus. E
só assim a morte é vencida, somos livres e nossa vida é esperança. (http://blog.
opovo.com.br/ancoradouro/jesus-desce-a-mansao-dos-mortos-por-bento-xvi/)

4 - Pré-Compreensão

Certamente estamos diante de um
texto misterioso, ainda não devidamente esclarecido pela exegese bíblica.
Segundo alguns autores, 1Pd 3,18-22 seria um hino litúrgico. O s vv.18-22 não
seriam originais, pois misturam prosa e poesia (THEVISSEN, 1999, p.63).
Tradicionalmente se costuma
pregar que, descendo Jesus ao Xeol/Hades[1],
teria oferecido sua graça salvífica também àqueles que viveram antes da
encarnação do Verbo, ou que não conheceram a Jesus, aqui representados por
aquelas pessoas desobedientes que viveram nos tempos da construção da arca de
Noé. Inclusive, esta é também a visão do Catecismo da Igreja Católica.

A proclamação de Cristo aos espíritos encarcerados,
que tinham sido desobedientes nos dias de Noé (1Pd 3,19), significa que sua
vitória foi aplicada àqueles que viveram e atuaram no tempo do Antigo Testamento.
Tal afirmação contém elementos imaginários, mas representa uma intuição cristã
de que a vitória de Cristo afetou não somente aqueles que o seguiram
temporariamente, mas também os que o precederam – uma universalidade temporal
como parte da teologia de que todos são salvos por intermédio de Cristo (BROWN,
2004, p.941).

Imaginava-se, então, que os mortos possuíssem uma existência
subterrânea, no Xeol/Hades. Lá estavam todos os desobedientes, representados
pelos desobedientes dos tempos de Noé. A estes, Jesus foi pregar a
possibilidade do arrependimento, transformando o Hades em campo missionário
(CHAMPLIN, 1983, p.147). Os rabinos judaicos pregavam que os desobedientes do
dilúvio eram a pior classe. Não mereciam nenhuma comiseração. Significavam perda
total. Segundo 1Pd 3,19-20 Jesus supera estas visão estreita do judaísmo
rabínico (MUELLER, 1988, p.211).
Mas, de acordo com a tradição comum, fica uma dúvida: o que Jesus teria
feito na sua descida à mansão dos mortos? Alguns autores supõe duas
possibilidades:
1)
Razões salvíficas: a partir do século II se
entende que a descida à mansão dos mortos seria mesmo para dar uma segunda
chance aos que estavam no limbo. Anunciar que o céu agora estava aberto (Evangelho
de Pedro, Justino, Orígenes). No entanto, é estranho que nas referências feitas
à descida à mansão dos mortos, ou aos infernos, a partir do século II até III,
nunca se mencione 1Pd 3,19-20. Parece que os teólogos de então tenham outras
fontes para se referir à mansão dos mortos, ou infernos (MUELLER, 1988, p.208).
2)
Razões condenatórias: alguns questionam que a
pregação seja feita aos espíritos encarcerados e não aos mortos. Quem seriam
estes espíritos encarcerados? Anjos ou seres humanos falecidos? No contexto do
judaísmo tardio e do Novo Testamento, dificilmente espíritos seriam pessoas falecidas, mas, antes, anjos decaídos
(MUELLER, 1988, p.209). Poderiam ser os anjos que se comportaram mal com as
filhas dos homens (Gn 6,1-4) desencadeando o dilúvio. O v, 19 é difícil e tem
duas interpretações: a) espíritos
seriam seres sobre-humanos: anjos decaídos, b) espíritos seriam mortos, incrédulos, aqui representados pelos
incrédulos dos tempos de Noé, como também em 1Pd 4,6 (THEVISSEN, 1999, p.63).
Inclusive, havia a crença de que, depois da morte o ser humano continuaria a
viver em espírito, no céu, no inferno e no ar (MUELLER, 1988, p.209). Mas, se encararmos
a primeira hipótese, então perceberemos que esta visão de anjos decaídos está
muito presente na cosmovisão do Novo Testamento. Os maus anjos foram presos em
um poço sob a terra à espera do julgamento. Encontramos isto em alguns Apócrifos,
como no livro de 1 Henoc, como também em Jd 8, em 2Pd 2,10, e inclusive no Ap
12,7ss). Neste caso, Jesus teria ido até eles para lhes anunciar sua vitória sobre
as forças do mal e acabar com sua força satânica. Isto se parece com Jo 16,11,
onde a morte de Jesus representa o julgamento do príncipe deste mundo, bem como
Ap 12,5-13, onde a vitória de Jesus prostra satanás e seus anjos por terra
(BROWN, 2004, p.933). No livro de 1Henoc (apócrifo) se diz que o mesmo foi
encarregado para ir aos anjos decaídos e lhes anunciar sua condenação definitiva. Jesus seria o novo
Henoc que teria ido anunciar aos caídos, a condenação deles e a vitória total
de Cristo.

Cristo, portanto, é
apresentado como aquele que depois de sua ressurreição anuncia aos anjos
caídos, instigadores do mal neste mundo, sua vitória sobre o mal e a condenação
deles. Deste então os anjos maus perderam seu poder (THEVISSEN, 1999, p.66).

Os
espíritos, no contexto da época, então podem ser vistos como anjos, humanos,
demônios ou até seres divinos, mas no nosso contexto, deve-se supor, apesar das
dificuldades, tratar-se de seres humanos desincorporados (CHAMPLIN, 1983,
p.148). Porém, também os anjos decaídos são colocados nos abismos, onde
aguardam julgamento:

Com efeito, se Deus não
poupou os anjos que pecaram, mas lançou-os nos abismos tenebrosos do Tártaro[2],
onde são guardados à espera do juízo, nem poupou o mundo antigo, mas ao trazer
o dilúvio sobre o mundo dos ímpios... (2Pd 2,4-5).

Quanto aos anjos que não
conservaram o seu principado, mas abandonaram a sua morada, guardou-os presos em
cadeias eternas, sob as trevas, para o juízo do grande dia (Jd 6).

A
mesma figura se percebe em Ap 20,7 quando, depois de mil anos, o diabo é solto
de seu cárcere, ou ainda, na visão do rico opulento que, preso no Hades que contempla
o pobre no seio da Abraão (Lc 16,22ss). Mas neste caso, trata-se de um falecido
no Hades e não um anjo.


5 – Uma Cosmovisão dos tempos
Bíblicos

Uma hipótese apresentada por
Schökel (BÍBLIA do Peregrino, 2002, p. 2910), diz: nos tempos bíblicos
acreditava-se na existência do Xeol, isto é, um mundo subterrâneo e tenebroso
onde os mortos ficavam numa situação semelhante aos fantasmas de nossos
folclores. Aí se encontram os infiéis dos tempos de Noé. Jesus foi anunciar, também
a estes, a remissão, ou estender a eles a sua graça.
O julgamento dos infiéis era
entendido como acontecido numa masmorra: “Serão todos amontoados como
prisioneiros na masmorra e só depois de muito tempo terão de acertar as contas”
(Is 24,21-23). Mas aí ficam algumas perguntas:
-
O cárcere é lugar de espera?
-
Jesus anuncia a libertação ou a condenação, como já vimos acima?
-
Jesus os visita em estado intermediário, ou já glorificado? Seria entre a
sexta-feira e o domingo da páscoa, ou já seria o glorificado? Se pensarmos no
quarto evangelho, poderíamos pensar que a hora da glória de Jesus é na cruz (Jo
12,23ss). Neste caso já seria o glorificado. Mas 1Pd diz: “No qual também foi
pregar aos espíritos...”, ou seja, “morto na carne, vivificado no espírito” foi
pregar aos espíritos (1Pd 3,18). Fica uma questão: seria Jesus morto antes de
ressuscitar, ou já seria o ressuscitado?
-
Os espíritos respondem de forma positiva ou negativa a Jesus?
O Sl 22,30 nos diz: “Diante dele
se prostrarão as cinzas da tumba, em sua presença se curvarão os que descem ao
pó”. Em Fl 2,10 se diz: “Diante do nome de Jesus, todo joelho se dobre, no céu,
na terra e no abismo...” Mas este prostrar-se quer dizer aceitação, ou
reconhecimento de que estão definitivamente derrotados?

No Novo Testamento há vestígios
deste abismo, abaixo da terra, de onde Jesus teria remido os pecadores. Assim
em Romanos e em Efésios se aponta para o fato de Cristo descer aos abismos:
“Ou quem descerá ao abismo? Isto
é, para fazer Cristo levantar-se dentre os mortos” (Rm 10,7).
“Que significa subiu, senão que
também desceu às profundezas da terra? O que desceu é também o que subiu acima
de todos os céus, a fim de plenificar todas as coisas” (Ef 4,9-10).
Desta forma, Jesus retirou de lá
os santos mortos. Isto aparece no relato da morte de Jesus na cruz, quando os
mortos ressuscitam e vão passear na cidade de Jerusalém (Mt 27,52). Em Ef 4,8
se diz que com esta descida e subida Jesus retirou os mortos de seus túmulos:
“tendo subido às alturas, levou cativo o cativeiro”. Em Fl 2,9-10 Paulo afirma
que o despojado Jesus recebeu um Nome, diante do qual todo joelho se dobre,
inclusive os debaixo da terra. Isto parece um reconhecimento forçado. Em Cl
2,15 ele afirma que Jesus venceu os anjos abaixo da terra, despojando-os e
derrotando-os. “Na qual (cruz) ele despojou os Principados e as Autoridades,
expondo-os em espetáculo, levando-os em cortejo triunfal”.
O pensamento antigo imaginava o
mundo em três níveis: Os céus (morada de Deus), a terra (morada dos humanos) e
o mundo subterrâneo, debaixo do qual se localizava o Xeol/Hades. Ir ao Xeol,
muitas vezes é sinônimo de morrer. O
Xeol é um fosso, um lugar de trevas, vermes e pó” (MCKENZIE, 1983, p.972).
Um apócrifo, chamado Ascensão de
Isaías, em seu capítulo 9,16 diz que Jesus, antes de ressurgir, despojou o anjo
da morte, obrigando que os anjos de satanás tivessem de adorá-lo. Em livros
como Odes de Salomão, Melitão de Sardes, etc. se ilustra cenas como, Jesus,
antes da ressurreição abriu a porta da região onde estavam os mortos, que então
começaram a correr ao seu encontro. Derrotou o homem forte e resgatou as
pessoas aí cativas. O Evangelho de Nicodemos narra a descida de Jesus ao
inferno para resgatar os santos do Antigo Testamento (BROWN, 2004, p.931).
Na Revolta de Coré, Datã e Abiram (Nm 16) a terra se abre e os rebeldes
descem vivos para a região dos mortos com suas famílias e com seus pertences.
Eles foram para o terrível lugar das trevas. Este local tem semelhança com o
mito acádico da descida de Ishtar ao mundo inferior.

O mundo inferior é descrito como a casa escura...a
terra de onde não há retorno, da qual não há caminho para voltar, onde os que
entram são privados de luz, onde o pó é
sua comida e a lama sua alimentação, onde eles não veem a luz” (MCKENZIE, 1983,
p.972).

Assim sendo, o Xeol é a negação
total da vida. Javé não se lembra dos que estão no Xeol, nem os do Xeol lembram
de Javé. O Xeol é lugar onde também os poderosos são reduzidos ao nada. Até o
poderoso rei da Babilônia terá seu fim nele:

Nas profundezas, a mansão dos mortos se agita por sua
causa, prepara para você uma recepção; para você, ela desperta os mortos, todos
os dominadores da terra, e faz todos os reis das nações levantar-se de seus
tronos. E todos eles falam, perguntando: ‘também você foi derrubado como nós, e
ficou igual a nós?’ O esplendor dele foi atirado na sepultura, junto com a
música de suas harpas. Debaixo de você há um colchão de podridão, seu cobertor
é feito de vermes” (Is 14,9-11).

Aqui o Xeol é o fim de tudo, a destruição total, ou então, a
condenação ao aniquilamento. No judaísmo tardio esta concepção muda. Agora o Xeol
seria apenas um lugar de espera até a justificação. “Oxalá me guardasses
escondido no túmulo, até que passe a tua ira e marcasses um prazo para te
lembrares de mim” (Jó 14,13). Aqui talvez já esteja uma centelha de uma
esperança de remissão. Pois na origem, o Xeol não é somente o castigo dos maus,
mas também dos bons. Ele é a sorte de uns e de outros. No Novo Testamento,
muitas vezes, o Xeol, ou Hades é visto como lugar de castigo para os maus, e
mais tarde o conceito de Xeol evolui para a geena, lugar de fogo, ou para nós,
inferno. O rico opulento de Lc 16,19-31 está no Hades e isto é, no inferno. Mas
outras vezes, Xeol não é sinônimo de inferno, como é o caso do discurso de
Pedro no dia de Pentecostes:

Deus, porém, o ressuscitou,
livrando-o das dores do Hades. Não era mesmo possível que fosse retido em seu
poder; pois Davi diz a seu respeito: Sem cessar via o Senhor diante de mim,
está à minha direita, para que eu não vacile. Alegrou-se, por isso o meu
coração, e minha língua jubilou; minha carne repousará com esperança, porque
não deixarás minha alma no Hades. Nem deixarás que teu santo experimente a
corrupção (At 2,24-27).

Em 1Cor 15,55 se diz
que a morte (Hades) é vencida por Jesus. Nesta visão, ainda há esperança para
os que já morreram, bem como também em 1Pd 4,6 se afirma que Jesus foi pregar
aos mortos (CHAMPLIN,1983, p.148). “Para levar o tempo à sua plenitude: a de em
Cristo recapitular todas as coisas...” (Ef 1,10). Pedro recebe as chaves da
igreja e as portas do Hades não prevalecerão (Mt 16,16)[3].
O Ressuscitado tem as chaves do Hades (Ap 1,18). O Hades e a morte são muito
bem ilustrados no Apocalipse:

O mar devolveu os mortos que nele jaziam, a Morte e o
Hades entregaram os mortos que neles estavam, e cada um foi julgado conforme
sua conduta. A Morte e o Hades foram então lançados ao lago de fogo. Esta é a
segunda morte: o lago de fogo (Ap 20,13-14).

Esta
visão também é encontrada no judaísmo tardio. Vê-se o Hades como lugar
temporário, à espera do julgamento. O Ressuscitado é o vencedor do Hades (MCKENZIE,
1983, p.973). Xeol/Hades é um sinônimo de infernos
e não para o inferno (singular).
Assim, há os infernos (para onde Jesus desceu) e o inferno (sorte dos
condenados). O inferno dos condenados é sorte definitiva e os infernos, dos que
esperam a visita Jesus, quando desceu aos infernos, é lugar de espera pelo
julgamento definitivo.

As portas dos infernos para onde Cristo desceu
abriram-se para deixar escapar os seus cativos, ao passo que o inferno onde
desce o condenado se fecha atrás dele para sempre. Contudo, a palavra é a
mesma, não por um acaso nem por uma aproximação arbitrária, mas em virtude duma
lógica profunda e como expressão de uma verdade capital. Os infernos como o
inferno são o reino da morte, e, sem Cristo, haveria no mundo um único inferno
e uma única morte, a morte eterna, a morte na posse de todo o seu poder”
(DUFOUR, 1987, p.442).

Assim sendo, Jesus,
com sua descida aos infernos, destruiu a mansão dos mortos, ou os infernos, mas
não o inferno. Por isto existe uma segunda morte (Ap 21,8). Esta é a sorte dos
que não auferiram da graça de Cristo, ou seja, isto é o inferno. Pela descida
de Jesus aos infernos, estes deixaram de ser O Inferno. Os infernos são uma imagem do que seria o mundo
sem a presença de Cristo (DUFOUR, 1987, p.442). Sem Cristo, os infernos seriam
o inferno. Champlin, no entanto, julga que a salvação trazida por Jesus, não
termina na hora da morte, mas que ainda há esperança de salvação pela aceitação
do evangelho de Jesus depois da morte (1983, p.154).

6 -
Conclusão

É
difícil compreender o conceito de descida aos infernos e o que ele foi pregar
aos espíritos cativos, outrora desobedientes (1Pd 3,19s), contudo se pode ver
neste texto a morte de Jesus e de sua vitória sobre a morte, pois segundo o
discurso de Pedro, Deus o livrou das dores do Hades (At 2,24.31).
Seriam,
então, os versículos 19 e 20 uma resposta para todos os que não puderam ouvir o
evangelho em vida? Ou simplesmente se quer dizer que Jesus alcançou os piores
entre os piores? Ou ainda, a graça dele é total, isto é, literalmente para
todos?
Ele
subiu aos céus depois de ter descido à região dos mortos, o que talvez possa ser entendido como a solidariedade com todos os
seres humanos que precisam passar por esta etapa da existência humana (Ef 4,9s;
Rm 10,6-10), vivos e também mortos.

A obra da salvação do Senhor
é evento que compreende todas as esferas do mundo e tornou realidades juízo e
graça de Deus. Cristo é a Testemunha fiel, o mártir que apregoa a todos os
seres o feito da Redenção, também aos inimigos de Deus (SCHWANK, 1984, p.106).

A
morte de Cristo foi o triunfo sobre a morte (1Cor 15,26). Ele fez com que a
morte devolvesse seus mortos (Ap 20,13 e Mt 27,52s). Antes de Cristo, os
infernos eram definitivos, ninguém podia sair de lá. Mas, pela morte de Cristo,
primícias daqueles que morreram (1Cor 15,20-33) e primogênito entre os mortos
(Ap 1,5) as portas dos infernos se abriram.
Como,
no entanto, antes da vinda de Cristo, este já é prometido, o ser humano que
aceita a Deus já vê um raio de esperança em suas trevas infernais que se tornam
realidade com a morte de Jesus. Ao contrário, os que se fecham à graça dele,
serão condenados ao fogo eterno (1Ts 1,8; Ap 20,14s).
Entre
as muitas possibilidades aventadas, preferimos ficar com uma ideia de Thevissen
(1999, p.66): Descer à mansão dos
mortos, nada mais seria, do que o anúncio da vitória final de Jesus sobre o
mal. Os adversários de Cristo: homens incrédulos, como anjos maus, estão
definitivamente derrotados. O cristianismo não foi derrotado com a morte de
Jesus na cruz, mas esta serviu para proclamar a grande vitória.
Para
cristãos em crise (1Pd 3,13ss) como nos tempos de Noé cabia uma admoestação:
eles devem empenhar-se para evangelizar os adversários, os maus, pois assim
como nos tempos de Noé, também agora, Jesus não desistiu de nenhum deles (MUELLER,
1988, p.212).



BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA , do Peregrino. São Paulo:
Paulus, 2002
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo testamento. São
Paulo: Paulinas, 2004
CATECISMO da Igreja Católica.
Petrópolis/São Paulo: Vozes/Paulinas/Loyola/Ave-Maria, 1993
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado – versículo por versículo. São
Paulo: Milênium, 1983, vol.6
DUFOUR, Xavier León. Vocabulário de Teologia Bíblica. Perópolis:
Vozes, 1987
MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo:
Paulinas, 1983
MUELLER, Ênio. 1Pedro – Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova/Mundo
Cristão, 1988
SCHWANK, B. A Primeira Epístola de Pedro, Apóstolo. Petrópolis: Vozes, 1984
THEVISSEN, G. et al. As Cartas de Pedro, João e Judas. São
Paulo: Loyola, 1999, Col. Bíblica Loyola, Vol.7B



[1]
Xeol é palavra hebraica e Hades é o correspondente Grego.
[2]
Tártaro era a personificação do Mundo Inferior. Nele estavam as cavernas e
grutas mais profundas e os cantos mais terríveis do reino de Hades, o mundo dos
mortos, para onde todos os inimigos do Olimpo eram enviados e onde eram
castigados por seus crimes. Lá os Titãs foram aprisionados por Zeus (Júpiter),
Hades (Plutão) e Poseidon (Netuno) após a Titanomaquia. Na Ilíada, de Homero,
representa-se este mitológico Tártaro como prisão subterrânea 'tão abaixo do
Hades quanto a terra é do céu'. Segundo a mitologia, nele eram aprisionados
somente os deuses inferiores, Cronos e outros titãs, enquanto que os seres
humanos eram lançados no submundo, chamado de Hades (Wikipedia).
[3]
A nota a da Bíblia de Jerusalém a Mt 16,18, diz: “Quanto a Hades (hebr. Sheol),
que designa a morada dos mortos cf. Nm 16,33+. Aqui, as suas portas, personificadas
evocam as potências do Mal que depois de terem arrastado os homens à morte do
pecado, os encadeiam definitivamente na morte eterna. Seguindo seu Mestre que
morreu, ‘desceu aos Infernos’ (1Pd 3,19+) e ressuscitou (At 2,27.31), a Igreja
deverá ter por missão arrancar os eleitos ao império da morte temporal e,
sobretudo, eterna, para condusi-los ao Reino dos Céus (cf.Cl 1,3; 1Cor 15,26;
Ap 6,8; 20,13).