Frei Bruno Glaab
Introdução
Fazer uma incursão pela Bíblia para conhecer a Deus deveria, por si só, ser um caminho seguro. Ao menos se o leitor tiver uma visão fundamentalista. Entendendo a Bíblia como "ditado de Deus", então nos deparamos com uma imagem, às vezes, vingativa, ciumenta, racista e até assassina. Mas o tempo em que se lia a Bíblia como diatado de Deus já ficou para trás, ao menos para quem não é fundamentalista. No estudo, a seguir, veremos algumas possibilidades de conhecer a imagem de Deus na Bíblia. Partiremos do Antigo Testamento, principalmente de escitos do Pentateuco. Veremos as mais diferentes imagens para depois chegarmos ao Novo Testamento e conhecer o Deus de Jesus Cristo.
O Deus do Pentateuco
Na Bíblia encontramos as mais diversas imagens de Deus. Desde o Deus Criador, o Deus vingativo, o Terrível, o Justiceiro, o Justo até o Deus de Amor ilustrado por Jesus Cristo. Se apenas nos baseássemos no Atnigo Testamento teríamos uma imagem distorcida de Deus.
Vejamos, no Êx 20,2ss encontramos um Deus vingativo. Ele, falando para Moisés, se declara um Deus ciumento que castiga os pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos. No Sinai o povo não podia chegar perto de Deus, caso contrário deveria morrer (Ex 19,12). Este mesmo Deus ordena a Moisés, que os idólatras devem ser apedrejados (Dt 13, 7-12). se um casal for pego em adultério, deve morrer apedrejado (Dt 22,22). Ex 35,2-3 manda matar quem trabalhar no sá-bado. O mesmo texto proíbe acender fogo em nossas casas no sábado.
Se esta imagem de Deus nos estranha, ainda não é tudo. Este mesmo Deus deu ordens a Moisés que não se enquadram em nossos critérios, hoje. Poderia um pai vender sua filha? Segundo Ex 21,7-11, poderia. E, quem deu esta ordem a Moisés? O próprio Javé. Este mesmo Javé permitiu que se comprasse escravos entre os estrangeiros (Lv 25,44-46). Em Lv 15,19-24 se proíbe tocar em mulher menstruada, ou mesmo nos móveis que ela usou. É possível perguntar a todas as mulheres, nas lojas, no trabalho, nas ruas, nas igrejas, se elas estão menstruadas?
Em Lv 21,16-24 se proíbe aqualquer deficiente físico se aproximar do altar. Isto é correto? Em Lv 19,27 se proíbe cortar o cabelo e a barba. Em Lv 11,29ss se diz que se alguém tocar em um animal morto, ficará impuro. Pode-se ainda jogar futebol, pois a bola é feita de couro? Pode-se usar sapatos, pois são feitos de couro? Ao menos quem usar couro de jacaré.
Em Lv 21,16-24 se proíbe aqualquer deficiente físico se aproximar do altar. Isto é correto? Em Lv 19,27 se proíbe cortar o cabelo e a barba. Em Lv 11,29ss se diz que se alguém tocar em um animal morto, ficará impuro. Pode-se ainda jogar futebol, pois a bola é feita de couro? Pode-se usar sapatos, pois são feitos de couro? Ao menos quem usar couro de jacaré.
Um mandamento estranho encontramos em Lv 19,19: "Não permitirás que os teus animais se ajuntem com os de espécie diversa [boi, cavalo, cão, etc];no teu campo, não semearás semente de duas espécies [milho, feijão, mandioca, etc.]; nem usarás roupa de dois estofos misturados [seda, lã, linho, etc.]". Idéias como estas e até mais extravagantes, podem ser encontradas, principalmente no Antigo Testamento.
Que Deus é este?
Ao leitor desavisado pode parecer que Deus falou diretamente a Moisés. Portanto, dizem os fundamentalistas, "quem somos nós para discutir as ordens de Deus?" No entanto, nem sempre Deus foi entendido assim. Já no Antigo Testamento temos imagens bem diferentes. Em Gn 1 Deus é o criador e nos versículos 26ss deste mesmo capítulo Ele cria o ser humano à sua imagem e semlehança. Em Is 49,15 se compara o amor de Deus ao amor da Mãe que nunca pode esquecer o filho que gerou, mas, mesmo que uma mãe o fizesse, Deus nunca se esqueceria de seus filhos e filhas. Já percebemos que a imagem de Deus começa a mudar. Nem sempre Deus é apresentado como carrasco, com mandante de apedrejamento e de outras maldades. Mesmo no Antigo Testamento, Deus é apresentado com ternura.
A verdadeira imagem de Deus
A verdadeira imagem de Deus nós é apresentada na pessoa de Jesus. Quando as autoridades ensinam que nem se deve pronunciar o nome de Javé, Jesus chama este mesmo Deus de Meu Pai e de Pai Nosso (Mt 6,7ss). Chama este Deus, visto como o terrível, de Abba (Mc 14,36). Abba era a forma familiar, ou seja, como as crianças se dirigiam ao pai, talvez como o nosso papai. As autoridades judaicas se enfureciam, vendo a intimidade com que Jesus tratava a Deus: "As autoridades dos judeus tinham mais vontade de matar Jesus, porque, além de violar a lei do sábado, chegava até a dizer que Deus era o seu Pai, fazendo-se assim igual a Deus" (Jo 5,18).
Mas, em toda a prática de Jesus, encontramos um verdadeiro retrato falado do Pai, tal qual Jesus o entendia, specialmente na parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32). Nela o Pai nos é revelado como aquele que respeita a decisão do filho, até quando este se afasta dele. Quando o filho desviado volta, o pai já não quer saber de vingança, nem de cobrança, ou mesmo de punição, mas unicamente de festa.
Junto à imagem do Pai do filho pródigo, poderemos colocar o Pai invocado por Jesus na hora da cruz (Lc 23,34): Perdoai-lhes, pois não sabem o que estão fazendo. Só quem tem uma tão magna compreensão do Pai pode rezar assim, ou seja, ninguém mais do que Jesus poderia ter esta intimidade com o Pai.
Como entender esta evolução?
Como entender esta mudança de compreensão? Para os fundamentalistas isto fica complicado. Não, porém, para quem estuda a Bíblia com seriedade científica. Diríamos, no Antigo Testamento Deus não fazia ditado para Moisés ou para outros personagens bíblicos. O que encontramos no Pentateuco são condicionamentos históricos e culturais daquela época. Deus se revela a um povo que tem aquela compreensão e deus respeita a cosmovisão do povo de então. Trata-se do mesmo Deus do Pai de Jesus, mas neste tempo ele era muito pouco conhecido. As pessoas do tempo de Moisés só foram capazes de captar Deus assim.
Para compreender esta mudança radical na imagem de Deus desde o Antigo Testamento até o Novo precisamos usar uma imagem, ou uma metáfora. Queremos expressar isto por uma escada:
Imaginemos que o primeiro degrau seja a revelação que Deus fez a Abraão, o segundo degrau seja a revelação feita a Moisés, O terceiro, o quarto, o quinto degraus sejam os profetas e outros personagens do Antigo Testamento. Agora imaginemos que o último degrau seja Jesus Cristo. Então poderemos ter uma imagem correta da Revelação de Deus. Os degraus da escada vão nos elevando. Quanto mais avançamos, mais enxergamos. O degrau que nos introduz na casa do Pai é Jesus, por isto ele é chamado de a plenitude da Revelação. Em outras palavras, em Abraão temos uma imagem pálida de Deus (1º degrau). Já em Moisés (segundo degrau) temos uma imagem melhor, mas ainda insuficiente. Nos profetas já estamos alguns degraus a mais e a visão fica mais clara, mas a imagem verdadeira só teremos em Jesus. Este nos revela o Pai, tal qual o devemos entender. Nunca, no entanto, teríamos chegado a Jesus sem passar por Abraão, Moisés, profetas, etc.
Logo, o Deus vingativo, o tremendo, o punitivo, é o mesmo Deus de Jesus Cristo, mas visto de forma incompleta. Para entender a Deus, não temos caminho mais claro do que Jesus. Ele nos revelou o Pai no melhor sentido possível. Por isto se diz: quem quer conhecer o Pai, passa por Jesus. O que Jesus não revelou, não precisamos saber a respeito do Pai. Com isto não queremos dizer que o Pai não nos fala, ainda hoje, mas as chaves para entender o Pai, nos vêm de Jesus.
Conclusão
Deus é sempre o mesmo, desde Abraão até Jesus, e mesmo, até hoje. No entanto, a compre-ensão que dele temos, muda. Abraão teve uma imágem pálida de Deus. Moisés e os profetas tiveram uma imagem diferente, mas a verdadeira imagem de Deus se torna evidente apenas na pessoa de Jesus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário