''Eu sou o Senhor teu Deus'': o Decálogo e sua evolução
Fonte: IHU
Tábuas da Lei, Mandamentos, Decálogo: são expressões diferentes para indicar os preceitos que Moisés recebeu no Monte Sinai, base da aliança entre Deus e Israel. O termo mais usado em dicionários e repertórios, Decálogo, em grego significa dez (déka) palavras (lógos). Um costume – aceito embora não filologicamente irrepreensível – gosta de traduzi-lo com a locução "Os Dez Mandamentos". Mas há uma razão, e ela deve ser buscada no fato de que, em hebraico, "palavra", davar, é sinônimo de mandamento.
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 03-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Moisés permaneceu "com o Senhor 40 dias e 40 noites, sem comer pão nem beber água" (Êxodo 34.28). Hoje eles são considerados como referências jurídicas e éticas, além de religiosos; constituem o código moral de grande parte da humanidade. Ou, nas palavras de Hermann Cohen, fundador da escola de Marburgo e figura proeminente do neokantismo, podem ser entendidos como uma espécie de equação absoluta dada ao ser humano (em Escritos Hebraicos, Berlim, 1924).
Na Bíblia, encontram-se duas versões, com leves variações, das "dez palavras". Leem-se no Êxodo (20, 1-17) e no Deuteronômio (5, 6-21). A tradição católica, ao apresentá-las, se distancia dos judeus e evangélicos. Ainda Agostinho havia realizado uma distinção no Decálogo, que deixou um rastro duradouro: ele dividiu os três Mandamentos iniciais dos sete sucessivos, atribuindo aos primeiros os deveres para com Deus e, aos sucessivos, os para com os seres humanos.
Mas tais considerações continuaram durante séculos. Para oferecer um exemplo disso, um filósofo e teólogo como Duns Scotus, o Doctor Subtilis que morreu em Colônia em 1308, defendia que os Mandamentos da segunda tábua, ou seja, do quarto ao décimo, não deveriam ser considerados inerentes à lei natural (em Reportata parisiensa, reiterando em Scriptus Oxoniense). Por outro lado, Tomás de Aquino, que aborda o assunto na Summa Theologica, está convencido de que todos os preceitos do Decálogo pertencem à lei da natureza.
A transcrição do texto das Tábuas relatado nos catecismos católicos é fruto de intervenções amadurecidas ao longo do tempo. Significativas são a contribuição de Afonso Maria de Ligório e a influência que ele exerceu a partir do século XVIII. O santo de Nápoles entendeu os Mandamentos como o sumário da teologia moral: por esse motivo, ele tentou compendiar em cada proposição um aspecto da vida.
O caso mais evidente está no sexto mandamento, "não cometerás adultério". Ele preferiu o mais amplo "não cometerás atos impuros". Santo Afonso desejava investir sobre toda a sexualidade. Ele mesmo, por outro lado, observou regras muito rígidas para tratar dessa matéria: é conhecido que ele escreveu as páginas sobre a moral matrimonial, presentes na sua obra, de joelhos para não cair em tentação.
Pode-se afirmar que toda época precisou repensar e fazer reviver os Mandamentos no seu próprio tempo. Gianantonio Borgonovo, biblista e autor do livro Torah e storiografie dell'Antico Testamento (Ed. Elledici, 2012), nos confidenciava, a propósito das atuais releituras: "A retomada dessas reflexões encontra sentido no valor da mitzwà, ou seja, de uma tensão entre o amor de Deus que precede ('Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa dos escravos...') e o amor que segue ao próprio Mandamento e que se torna lei, sentença, decreto". Para esse hebraísta, o Decálogo tem em si uma espécie de energia infinita, que, "de um lado, vai até a revelação original do Sinai (Horeb) e, de outro, pede para ser atualizada todas as vezes hoje".
Agora, voltam à distribuição I Comandamenti, publicados desde 2010 (Ed. Il Mulino). São comentados, explicados, revividos por teólogos, filósofos, biblistas, mas também por economistas e juristas (Non Rubare, oitavo volume, é tratado por Paolo Prodi e Guido Rossi).
O primeiro deles, Io sono il Signore Dio tuo [Eu sou o Senhor teu Deus], palavras que introduzem as Tábuas da Lei, é assinado por Piero Coda e Massimo Cacciari. O percurso traçado parte da semântica do Nome para chegar às reflexões sobre o Deus-Trinitas. De um lado, examina-se, dentre outras coisas, a autoapresentação de Deus em Êxodo 3, 14: "Eu sou aquele que sou" (ehjeh asher ehjeh), e que Piero Coda mostra nas diversas interpretações, não excluindo aquela que nasceu a partir da versão grega da Bíblia dos Setenta (ego eimi ho on: seria possível traduzir até como "Eu sou o Ser").
Por outro lado, pergunta-se quem é "o Uno do Êxodo". Nesse caso, Massimo Cacciari indica caminhos que ajudam o leitor a se aproximar do "segredo do Nome divino", mesmo que permaneça "inapreensível e inefável". "Não interessa tanto o Nome – escreve – mas sim o que o Ser de Deus pode. A sua natureza é ser, não ser nomeado, e ser pondo para 'fora' de si todo o seu próprio poder".
Às margens de Coda e de Cacciari, notamos que, para melhor compreender o significado da frase "não terá outros deuses diante de mim" (Êxodo 20, 3; Deuteronômio 5, 7), a primeira ordem de Deus no Decálogo, é aconselhável confiar-se a uma consideração de Martin Buber: "A doutrina da unicidade tem a sua razão vital não no fato de que formemos um juízo sobre o número de deuses que existem e se busque talvez verificá-lo, mas sim na exclusividade que sustenta a relação de fé, assim como ela sustenta o verdadeiro amor entre homem e homem; mais exatamente: no valor e na capacidade total inerentes no caráter exclusivo... A unicidade do 'monoteísmo' não é, portanto, a de um 'exemplar', mas é a do parceiro na relação interpessoal, até que esta não seja renegada no conjunto da vida vivida" (Königtum Gottes, Obras II, Munique, 1964).
Por isso, não é insensato acreditar que o conceito fundamental expresso por esse primeiro Mandamento seja de caráter existencial: é uma escolha radical que guia a vida. Por outro lado, a sugestão de Buber nos ajuda a compreender melhor a tradução das palavras "al-panaj", que poderiam ser traduzidas como "além de mim", "diante de mim", "ao meu lado", "contra mim", "para a minha vergonha", e mais, levando-nos até mesmo para longe do mandamento de Deus.
Lembremos, por fim, que essa série de comentários sobre as Tábuas da Lei é de 11 volumes e não de 10. O último, Ama il prossimo tuo (Enzo Bianchi e Massimo Cacciari), é dedicado ao Mandamento cristão por excelência, já presente, porém, no Levítico: "Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus concidadãos. Ame o seu próximo como a si mesmo" (19, 18). Com Cristo, ele se torna a síntese das leis que falam da relação com o outro. O Evangelho de João relata: "Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês" (15, 12). Paulo, na Epístola aos Romanos, especifica: "De fato, os mandamentos: não cometa adultério, não mate, não roube, não cobice, e todos os outros mandamentos se resumem nestas palavras: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'" (13, 09).
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 03-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Moisés permaneceu "com o Senhor 40 dias e 40 noites, sem comer pão nem beber água" (Êxodo 34.28). Hoje eles são considerados como referências jurídicas e éticas, além de religiosos; constituem o código moral de grande parte da humanidade. Ou, nas palavras de Hermann Cohen, fundador da escola de Marburgo e figura proeminente do neokantismo, podem ser entendidos como uma espécie de equação absoluta dada ao ser humano (em Escritos Hebraicos, Berlim, 1924).
Na Bíblia, encontram-se duas versões, com leves variações, das "dez palavras". Leem-se no Êxodo (20, 1-17) e no Deuteronômio (5, 6-21). A tradição católica, ao apresentá-las, se distancia dos judeus e evangélicos. Ainda Agostinho havia realizado uma distinção no Decálogo, que deixou um rastro duradouro: ele dividiu os três Mandamentos iniciais dos sete sucessivos, atribuindo aos primeiros os deveres para com Deus e, aos sucessivos, os para com os seres humanos.
Mas tais considerações continuaram durante séculos. Para oferecer um exemplo disso, um filósofo e teólogo como Duns Scotus, o Doctor Subtilis que morreu em Colônia em 1308, defendia que os Mandamentos da segunda tábua, ou seja, do quarto ao décimo, não deveriam ser considerados inerentes à lei natural (em Reportata parisiensa, reiterando em Scriptus Oxoniense). Por outro lado, Tomás de Aquino, que aborda o assunto na Summa Theologica, está convencido de que todos os preceitos do Decálogo pertencem à lei da natureza.
A transcrição do texto das Tábuas relatado nos catecismos católicos é fruto de intervenções amadurecidas ao longo do tempo. Significativas são a contribuição de Afonso Maria de Ligório e a influência que ele exerceu a partir do século XVIII. O santo de Nápoles entendeu os Mandamentos como o sumário da teologia moral: por esse motivo, ele tentou compendiar em cada proposição um aspecto da vida.
O caso mais evidente está no sexto mandamento, "não cometerás adultério". Ele preferiu o mais amplo "não cometerás atos impuros". Santo Afonso desejava investir sobre toda a sexualidade. Ele mesmo, por outro lado, observou regras muito rígidas para tratar dessa matéria: é conhecido que ele escreveu as páginas sobre a moral matrimonial, presentes na sua obra, de joelhos para não cair em tentação.
Pode-se afirmar que toda época precisou repensar e fazer reviver os Mandamentos no seu próprio tempo. Gianantonio Borgonovo, biblista e autor do livro Torah e storiografie dell'Antico Testamento (Ed. Elledici, 2012), nos confidenciava, a propósito das atuais releituras: "A retomada dessas reflexões encontra sentido no valor da mitzwà, ou seja, de uma tensão entre o amor de Deus que precede ('Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa dos escravos...') e o amor que segue ao próprio Mandamento e que se torna lei, sentença, decreto". Para esse hebraísta, o Decálogo tem em si uma espécie de energia infinita, que, "de um lado, vai até a revelação original do Sinai (Horeb) e, de outro, pede para ser atualizada todas as vezes hoje".
Agora, voltam à distribuição I Comandamenti, publicados desde 2010 (Ed. Il Mulino). São comentados, explicados, revividos por teólogos, filósofos, biblistas, mas também por economistas e juristas (Non Rubare, oitavo volume, é tratado por Paolo Prodi e Guido Rossi).
O primeiro deles, Io sono il Signore Dio tuo [Eu sou o Senhor teu Deus], palavras que introduzem as Tábuas da Lei, é assinado por Piero Coda e Massimo Cacciari. O percurso traçado parte da semântica do Nome para chegar às reflexões sobre o Deus-Trinitas. De um lado, examina-se, dentre outras coisas, a autoapresentação de Deus em Êxodo 3, 14: "Eu sou aquele que sou" (ehjeh asher ehjeh), e que Piero Coda mostra nas diversas interpretações, não excluindo aquela que nasceu a partir da versão grega da Bíblia dos Setenta (ego eimi ho on: seria possível traduzir até como "Eu sou o Ser").
Por outro lado, pergunta-se quem é "o Uno do Êxodo". Nesse caso, Massimo Cacciari indica caminhos que ajudam o leitor a se aproximar do "segredo do Nome divino", mesmo que permaneça "inapreensível e inefável". "Não interessa tanto o Nome – escreve – mas sim o que o Ser de Deus pode. A sua natureza é ser, não ser nomeado, e ser pondo para 'fora' de si todo o seu próprio poder".
Às margens de Coda e de Cacciari, notamos que, para melhor compreender o significado da frase "não terá outros deuses diante de mim" (Êxodo 20, 3; Deuteronômio 5, 7), a primeira ordem de Deus no Decálogo, é aconselhável confiar-se a uma consideração de Martin Buber: "A doutrina da unicidade tem a sua razão vital não no fato de que formemos um juízo sobre o número de deuses que existem e se busque talvez verificá-lo, mas sim na exclusividade que sustenta a relação de fé, assim como ela sustenta o verdadeiro amor entre homem e homem; mais exatamente: no valor e na capacidade total inerentes no caráter exclusivo... A unicidade do 'monoteísmo' não é, portanto, a de um 'exemplar', mas é a do parceiro na relação interpessoal, até que esta não seja renegada no conjunto da vida vivida" (Königtum Gottes, Obras II, Munique, 1964).
Por isso, não é insensato acreditar que o conceito fundamental expresso por esse primeiro Mandamento seja de caráter existencial: é uma escolha radical que guia a vida. Por outro lado, a sugestão de Buber nos ajuda a compreender melhor a tradução das palavras "al-panaj", que poderiam ser traduzidas como "além de mim", "diante de mim", "ao meu lado", "contra mim", "para a minha vergonha", e mais, levando-nos até mesmo para longe do mandamento de Deus.
Lembremos, por fim, que essa série de comentários sobre as Tábuas da Lei é de 11 volumes e não de 10. O último, Ama il prossimo tuo (Enzo Bianchi e Massimo Cacciari), é dedicado ao Mandamento cristão por excelência, já presente, porém, no Levítico: "Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus concidadãos. Ame o seu próximo como a si mesmo" (19, 18). Com Cristo, ele se torna a síntese das leis que falam da relação com o outro. O Evangelho de João relata: "Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês" (15, 12). Paulo, na Epístola aos Romanos, especifica: "De fato, os mandamentos: não cometa adultério, não mate, não roube, não cobice, e todos os outros mandamentos se resumem nestas palavras: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'" (13, 09).