quinta-feira, 27 de setembro de 2012


Fonte IHU

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A hipótese do papiro falso

Na semana passada, uma estudiosa norte-americana, Karen King, da Universidade de Harvard, apresentou em Roma um fragmento de papiro copta, com uma antecipação em Nova York no jornal New York Times, adquirida – segundo o que foi afirmado – de um colecionador que quer manter o anonimato, em que Jesus dizia: "Minha esposa... e ela poderá ser minha discípula"...

A reportagem é de Marco Tosatti, publicada no sítio Vatican Insider, 26-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Naturalmente, só a alusão a uma possível esposa de Jesus, nos EUA da era Obama, imediatamente se tornou interessante. Embora não o fosse no tempo de Jesus: Pedro era casado, e havia também uma tradição muito viva no judaísmo de célibes dedicados a Deus.

Mas agora um estudioso britânico, Francis Watson, da Universidade de Durham, lança a hipótese de que nos encontramos diante de uma falsificação, ou ao menos de um papiro "construído". Francis Watson, especialista no campo e que, aparentemente, tem no seu currículo a descoberta de outros documentos supostamente históricos e que mais tarde se revelaram falsos, defende que o texto foi construído. E o argumenta em seis páginas de elaboração disponíveis aqui [em inglês].

"Karen King admite um ceticismo inicial – escreve Watson –, mas agora está convencida de que esse fragmento de papiro deriva de uma cópia do século VI de um texto do século II. Vou argumentar aqui que o ceticismo é exatamente a atitude certa. O texto foi construído a partir de pequenos pedaços – palavras ou frases – derivados principalmente do evangelho copta de Tomé, seções 101 e 114, e postos em um novo contexto. Mais provavelmente, trata-se do procedimento de composição de um autor moderno que não é um falante nativo de copta".

Obviamente, é impossível, por razões de espaço, acompanhar Watson na análise passo a passo, que parte do Evangelho de Tomé encontrado em Nag Hammadi, em 1945, cujo texto é acessível a todos. Ele afirma que, no curto fragmento, estão presentes frases (particularmente a fórmula: "Os discípulos disseram a Jesus") que morfologicamente não aparecem nos quatro evangelhos canônicos, mas pertencem ao Evangelho de Tomé.

Permanecem, no entanto, sempre válidas todas as possíveis interpretações dessa "minha esposa" que criou tanto interesse. A "esposa" poderia ser a Igreja, como no livro do Apocalipse e na tradição cristã de dois milênios. Poderia ser, como no Cântico dos Cânticos, a alma do homem em busca de Deus. Poderia ser, na tradição gnóstica, o discípulo que busca a perfeição.

Em suma, não se pode afirmar que Jesus estava falando da "senhora Jesus", mesmo que – e Watson afirma que não – o fragmento do século IV fosse um fragmento autêntico de sabe-se lá o quê. É preciso lembrar ainda que, na realidade, essa tese de um Jesus casado está bem presente na tradição Ahmadiya, que afirma que Cristo foi curado com unguentos milagrosos depois da crucificação, fugiu com Madalena e se estabeleceu definitivamente na Caxemira, onde ainda hoje pode-se ver o seu túmulo e talvez encontrar os seus descendentes.

Para ler mais:

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As mulheres de Jesus de Nazaré

Oito linhas num papiro do século IV, de um hipotético “Evangelho da mulher de Jesus”, voltou a colocar em cena não apenas o estado civil de Cristo, mas também sua relação com a outra metade do céu.

A reportagem é de Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 23-09-2012. A tradução é do Cepat.

O que Jesus pensava das mulheres? Que papel as mulheres ocuparam em sua vida e, sobretudo, em seu movimento? O que consideram os mais sérios exegetas católicos sobre “Jesus e as mulheres”?

Apesar de ser o personagem mais estudado e analisado pela cultura ocidental, Jesus continua sendo um dos mais desconhecidos. Pouco se sabe com exatidão sobre o homem que é venerado por um bilhão de pessoas como o “Filho de Deus”. Séculos de manipulações apagaram as escassas pistas sobre sua realidade.

E os Evangelhos? Tradicionalmente nos são apresentados como textos históricos. Hoje, todos os teólogos reconhecem que a partir deles não se pode escrever uma biografia de Jesus.“O Evangelho é um testemunho dos crentes. O que os evangelistas contam não é história, mas expressão de sua fé em Jesus Cristo”, explica o prestigioso e já falecido teólogo holandês Edward Schillebeeckx.

Embora sendo difícil, a exegese moderna está demarcando cada vez mais a figura de Jesus. Inclusive nos aspectos mais fechados ou silenciados pela Igreja católica oficial. Por exemplo, a questão da sua sexualidade ou de seu estado civil.

Jesus de Nazaré foi casado?

Para a Igreja católica o assunto da sexualidade de Jesus foi sempre um tabu. A doutrina oficial só aborda esse tema para dizer que Jesus foi um homem de verdade, com todas as pulsões de um homem, mas que se manteve puro e celibatário em toda a sua vida.

Inclusive, em muitas ocasiões dá a sensação de que a Igreja católica cai no docetismo (a heresia que torna Jesus não um homem real, de carne e osso, mas um ser que, embora tendo aparência humana, era na realidade “outra coisa”) na hora de “limpar” a figura do Nazareno.

De acordo com a mais estrita ortodoxia católica, Jesus era um homem completo, de corpo inteiro e, consequentemente, sexuado. Deus se fez homem, e dentro dessa condição existe a sexualidade. Como a exerceu? Que relação manteve com as mulheres?

Os grandes exegetas concordam em negar que Jesus tivesse casado. E que o celibato transgredia as leis religiosas de sua época. “Quem não tem mulher é um ser sem alegria, sem a bênção, sem felicidade, sem defesas contra a concupiscência, sem paz; um homem sem mulher não é um homem”, diz o Talmude. E menos ainda, se esse homem era um rabi, um intérprete da Lei que, portanto, não podia se opor ao Talmude.

Um dos mais prestigiosos exegetas espanhóis, Xabier Pikaza, acaba de publicar o “Evangelho de Marcos. A Boa Notícia de Jesus” (Verbo Divino), um exaustivo estudo de 1.200 páginas. E sobre este tema conclui assim: “Não se pode demonstrar, de maneira absoluta, que Jesus foi celibatário”.

Alguns pesquisadores supõem que ele poderia ter sido viúvo ou sem filhos. Outros, mais fantasiosos, falam de suas relações com Maria Madalena ou de sua abertura afetiva mais aberta (um tipo de “amor” estendido para homens e mulheres, de forma não genital). Enfim, outros asseguram que, após a vinda do Reino (se houvesse chegado, sem que tivesse sido morto), Jesus teria casado, iniciando um matrimônio diferente...

Porém, não sabemos nada disso. Nada pode ser apoiado em fontes. A única coisa certa é que durante o tempo de sua pregação, a partir de sua missão com João, passando por sua mensagem na Galileia, até a sua morte foi “celibatário”.

Outro famoso teólogo espanhol, Rafael Aguirre, sustenta a mesma tese. Ou como disse o americano John Paul Meier: “Jesus nunca se casou, o que o torna um ser atípico e, por alcance, marginal diante da sociedade judaica convencional”. Nisso sim, todos os exegetas consentem, além de destacar o papel “especial” de Maria Madalena na vida de Jesus.

Ela não foi sua mulher, mas esteve muito perto dele. No grupo de mulheres que acompanhavam Jesus e seus discípulos, nunca está ausente. É a primeira receptora dos acontecimentos pascais. Por isso, é chamada “a apóstola dos apóstolos”.

“No entanto, casá-la com Cristo é um disparate”, afirma o teólogo jesuíta Juan Antonio Estrada. O disparate do “Código Da Vinci”, por exemplo, que muitos acreditam.

Discípulas e companheiras de Jesus

O que está claro em todos os textos evangélicos, canônicos e apócrifos, é que a sua relação com as mulheres foi um dos aspectos mais revolucionários do profeta de Nazaré.

Jesus rompe com todos os tabus, numa sociedade em que a mulher era definida como uma “lua”, porque só brilhava e recebia tudo do “sol”, que era o homem. “Dou-te graças, Senhor, por não me haver feito mulher”, rezavam os varões todas as manhãs, pois a mulher era um ser inferior.

Por isso, andava sempre com a cabeça coberta, não podia parar na rua para falar com um varão, não podia ser testemunha credível num julgamento, tampouco podia ter herança e no caso de que seu marido morresse, passava a ser propriedade de seu irmão. E, é claro, quando estava menstruada, não somente era impura, mas tornava impuro tudo o que tocava.

Jesus rompe com todas as tradições culturais de seu tempo e trata a mulher como igual”, explica Pikaza. De fato, as mulheres fazem parte de seu círculo mais íntimo, de seus mais estreitos colaboradores e acompanham o profeta itinerante em suas caminhadas apostólicas. “Varões e mulheres aparecem num projeto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro”, sustenta o exegeta espanhol.

E o catedrático Antonio Piñero, em seu livro “Jesus e as mulheres” (Aguilar), aponta que “Jesus foi um rabino relativamente anômalo no cenário dos mestres da Lei do século I, porque teve um ministério ativo, no qual as mulheres não apenas estavam presentes, mas eram discípulas”.

De fato, o Evangelho de Marcos diz que as mulheres “serviam” a Jesus. E o biblista argentino Ariel Álvarez explica que “se estas mulheres “serviam” a Jesus, é porque de alguma maneira pregavam o Evangelho, curavam enfermos, expulsavam demônios e realizavam as mesmas funções dos demais discípulos, e não porque cumpriam exclusivamente as tarefas de cozinha e limpeza”.

É que, como diz Pikaza, “Jesus não quis sacralizar a sociedade patriarcal de sua época” e “fundou um movimento de varões e mulheres na contramão dos rabinos de sua época, que não admitiam as mulheres em suas escolas”. Jesus não somente as acolhe, mas escuta e dialoga com elas, “como com pessoas livres”, respeitando e valorizando-as em igualdade com o homem.

Mais ainda, Pikaza sustenta que dentro de seu movimento, as mulheres foram as seguidoras mais fiéis e radicais de Jesus. “De fato, ao chegar à prova da Cruz, os doze lhe abandonaram; elas, ao contrário, permanecem fiéis até o final”.

Um Jesus, portanto, profundamente inclusivo, que desafia frontalmente os preceitos patriarcais profundamente estabelecidos. Em seu trato com a mulher, Jesus foi um revolucionário, um profeta que desafiou o legalismo confuso e inerte que mesclava a vida religiosa e social de seu tempo. Um visionário defensor dos direitos da mulher. Inteiramente um feminista.

terça-feira, 18 de setembro de 2012


Manter viva a causa do PT: para além do “Mensalão”

                                    Leonardo Boff*

Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização  nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em  que  este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará  todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto  apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas eintelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente  representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas,  amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e  liquidar  com  seus líderes.

A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos,  ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não sedeixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho  aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT  se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores  superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e dr.h.causa em politica pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.

 




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